| Queridinha dobrou o guardanapo mais uma vez. O gesto irritou Altamir.- Não entendo. Quis sair para comer uma pizza para ficar com essa cara emburrada?
 - Você não respondeu a minha pergunta.
 - Qual?
 - Estamos namorando há dois anos. Todas as minhas amigas já estão casadas, menos eu.
 - Qual o problema? Não temos nada a ver com a vida de ninguém. Cada um na sua.
 - Quando é que você vai se decidir? Está com 34 anos. Não é mais um adolescente.
 - Não tá bom do jeito que está? Casamento é complicado.
 - Por quê?
 - Dormir e acordar junto todo dia acaba com o amor. As despesas aumentam. Aí vem reclamação, filhos e rotina.
 - É só não deixarmos cair na rotina. O que não dá é para namorar a vida inteira.
 - Não está feliz?
 - Não. Quero me casar com você.
 - Queridinha, entenda, já falei: não me imagino dividindo jornal pela manhã. Sou cheio de manias.
 - Resolvemos o problema fazendo duas assinaturas.
 - Mas também não gosto que mexam nos meus livros e nem nos meus cds.
 - Isso é muito pouco para não querer casar. Tudo se resolve.
 - Tá, mas aí você vai achar que somos um só porque casamos e vai querer saber a senha do meu e-mail. Saber quanto eu ganho. Esquece. Não nasci para casar.
 - Como você é mesquinho, Altamir!
 - Tá vendo? Só de imaginar já dá confusão. Sou assim. Moro sozinho há dez anos, não quero dividir travesseiro, nem escova de dentes. Gosto da solidão.
 Os olhos de Queridinha encheram-se de lágrimas. Era a quarta vez que conversavam sobre o assunto e Altamir negava-se a assumir compromisso sério. Magoada, recomeçou a dobrar o guardanapo. Diante do impasse, ele chamou o garçom e pediu a conta. No carro, ouvia-se apenas a respiração agoniada de Queridinha. Enquanto dirigia, Altamir olhava a namorada de canto de olho. Quando chegou em casa, ela saiu batendo a porta do carro. Adormeceu com o dia clareando. Acordou meio-dia com o corpo doído e os olhos inchados de chorar. Pegou o telefone e ligou para a melhor amiga.- Suely, vou terminar com Altamir. Ele não quer saber de casamento.
 - Só você não tinha percebido. Aceita o convite do Joaquinzinho para sair.
 - Aquele mala?
 - Esse casa com você. Pode apostar. Não quer um marido?
 - Quero.
 - Então. Vai formar uma família com direito a marido e filhos. Assim como eu.
 - Mas e o sexo? Vai ser duro transar com Joaquinzinho.
 - Fecha os olhos e fantasia. E mesmo casada, pode continuar dando suas voltinhas, como eu faço. Mas na foto, está lá, a família feliz e sorridente!
 - E o amor?
 - O amor acaba. E quando acaba, você olha para a cara do marido e pensa: onde eu estava com a cabeça quando me casei com esta merda?
 - Mas se com amor já é difícil, imagina sem amor!?
 - Melhor. Você não se ilude, portanto, não se decepciona. Com o Altamir, é solteirice na certa.
 - Será?
 - Claro. E escreve o que eu digo. Qualquer dia ele lhe dá um pé na bunda e aí, nem Joaquinzinho.
 - Você tem razão, ele me enrolou. Vou ligar pra ele e dizer que ele é um canalha.
 - Queridinha, todo canalha sabe que é canalha e gosta de ser chamado de canalha. Vai dar esse gostinho pro Altamir?
 - Mas ele merece ouvir umas verdades!
 - Não seja ingênua. Ele vai rir da sua cara com os amigos, coçando o saco numa mesa de bar e dizendo com orgulho: Queridinha me chamou de canalha!
 Depois da conversa com Suely, Queridinha resolveu aceitar o convite de Joaquinzinho para ir ao cinema. Eram colegas de trabalho há dois anos e o rapaz vivia se declarando. Em pouco tempo, o relacionamento ficou sério e com seis meses de namoro, ele a pediu em casamento. Queridinha fez questão de uma união tradicional. Joaquinzinho, apaixonadíssimo, concordou. Na hora de enviar os convites, ela mandou também para Altamir. Cheia de expectativa, contou a novidade para Suely.- Quero só ver o que ele vai pensar quando receber meu convite de casamento!
 - Você quer que eu seja franca? Vai ficar feliz!
 - Você acha?
 - Tenho certeza. Espere e verá!
 No dia do casamento, Queridinha estava apreensiva. Queria desistir, mas foi convencida por Suely a ir até o final. Logo que entrou na Igreja, avistou Altamir. Teve vontade de sair correndo e cair nos braços do ex, mas ao olhar para Joaquinzinho no altar, sentiu pena e encaminhou-se até o futuro marido, exibindo um sorriso forçado. Durante a cerimônia religiosa, Queridinha emocionou-se com as palavras de Padre Firmino. Na hora dos cumprimentos, porém, estremeceu com a aproximação de Altamir. O ex- namorado pegou suavemente em suas mãos e lhe falou, sussurrando no ouvido:- Quando você voltar da lua-de-mel, me liga ou vai lá em casa para conversarmos.
 Em seguida, olharam-se com ardor. O coração de Queridinha rejuvenesceu. Quando ela avistou Suely lhe sorrindo, abraçada ao marido e aos filhos, teve certeza de que a amiga era uma mulher de muita sabedoria. Pela primeira vez, naquele dia, sentiu-se feliz por tornar-se esposa de Joaquinzinho. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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