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COLUNISTA
Mariza Taguada
22/04/2009 - 12h27
Motivo de admiração
 
 

São Paulo, capital, bairro da Luz, um pouco antes da revolução de março de 1964, estava nos meus doze anos e me lembro bem. A rua em que morávamos ficava atrás do quartel da Força Pública. Era uma casa grande e velha. Entrava-se por um portãozinho de ferro barulhento e um corredor comprido para o qual dava a janela do meu quarto, a porta e a janela da sala, a janelinha do banheiro e a da cozinha. O corredor terminava no quintal onde à esquerda encontrava–se o portão e o telhadinho da casinha dos fundos e à direita a porta da nossa cozinha e o tanque. O limite do quintal era dado por um muro bem alto, atrás do qual estava o quartel. Nos fundos morava a dona Franquilina e seu filho mais moço, ainda solteiro nessa época. Na frente, papai, mamãe, meu irmão e eu... aí passei os dias inesquecíveis da infância...

Não sei precisar as datas, mas era época de agitação política. De repente, o quartel entrou “de prontidão”, quer dizer, os soldados ficaram presos no quartel, não podiam voltar para suas casas. No dia seguinte acordamos com um barulhão! Estavam derrubando parte do muro para retirar uma escada. Só sei dizer que logo depois os soldados começaram a fugir por ali. Toda hora era soldado pulando o muro. Lembro-me do barulho dos coturnos batendo no chão e da velocidade com que atravessavam o corredor, direto para rua e para liberdade.

No início mamãe nos colocava para dentro e trancava a porta da cozinha. Ficávamos lá ouvindo aquele tropel. No entanto, logo nos acostumamos e nenhum de nós parava mais com seus afazeres. Meu irmãozinho nem tirava os olhos dos carrinhos com que brincava. Tudo entrou na normalidade...

Até que, numa manhã de sol, mamãe lavava roupa e conversava com dona Franquilina quando apareceu um senhorzinho no muro. Só dava para ver a cabecinha dele...

- Dona! Oh, dona! – chamou bem baixinho.

As duas olharam assustadas e viram o homem.

- Dona será que posso pular aí?

- Ora, todo mundo pula - respondeu minha mãe.

- Sabe, dona, é que já sou velho, não dá pra pular assim, vou me machucar. Será que a senhora não pode encostar aquela escada ali pra me ajudar?

As duas olharam uma para a outra, ficaram com pena do velhinho e resolveram ajudar. Encostaram a escada no muro e ainda seguraram-lhe as pernas, que tremiam muito, para que ele não caísse.

São e salvo ele agradeceu muito educadamente e rápido ganhou a rua.

Uns dois dias depois, surgiu imponente no muro, um oficial:

- Dona - perguntou ele - por acaso fugiu por aqui um senhor assim, assim?

- Pula muita gente aí - respondeu mamãe - não vi não...

- A senhora tem certeza? Ele não ia conseguir pular sozinho...

- Olha - disse mamãe - se o senhor quiser pular aí agora, o senhor acha que vou impedir? Foram vocês que derrubaram o muro. Se vocês não querem que os soldados pulem, então façam o muro de novo!

O oficial agradeceu e no dia seguinte acordamos com um barulhão! Estavam reconstruindo o muro!

Soubemos que o velhinho era alguém importante... mas quem?

Em seguida estourou a revolução e instalou-se a ditadura militar. Em casa sempre torcemos por mamãe ter salvado um democrata. Anos depois ao entender aquele momento histórico aumentou a admiração que sempre tive por minha querida mãezinha!


Nota do Editor: Mariza Taguada, professora de profissão e artista de coração, é paulistana e moradora de Ubatuba (SP) desde os velhos tempos.
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