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COLUNISTA
Eduardo Souza
07/01/2011 - 10h05
Gerações
 
 

Quem é que não sente saudades dos tempos de juventude? Diante da terrível realidade, da insuportável leveza do ser, refugiamo-nos de vez em quando neste território sagrado: os velhos e bons tempos da juventude. Ficam lá, em um nicho, no fundo da alma, depurados de imperfeições. Quando falamos deles, romanceamos, floreamos, hiberbolizamos e mitificamos. E se, nos tempos atuais, o nosso ouvinte é um jovem, aí então é que caprichamos na pintura. E se esse rapaz estiver mal acomodado na realidade ou em luta com o mundo, querendo transformá-lo ou adaptá-lo a si próprio, escuta-nos com redobrada atenção, às vezes boquiaberto. Não faz muito, ouvi de um jovem e querido amigo, depois de lhe fazer uma narrativa sucinta de como fora viver em Ubatuba de 1968 a 1980, que ele sentia inveja da minha geração por tudo o que ela vivenciou nesse período. Comigo também foi assim ao ouvir as peripécias que meu pai contava sobre os tempos de juventude dele na Ubatuba do começo do século XX. Eu ficava a imaginar como seria bom ter vivido naquela época.

O jornalista e escritor Ruy Castro, quatro anos mais velho do que eu, publicou uma crônica em que nos conta de um cinema que "resumiu todo o cenário de uma época e, em seu tempo, batizou uma geração que a protagonizou". O Cinema era o Paissandu, uma modesta sala de 742 lugares na rua Senador Vergueiro, no bairro do Flamengo, no Rio, nos anos 1964-1968. O escritor diz ainda que: "Os ecos do que se passava em torno da tela do Paissandu e nos bares adjacentes eram ouvidos em todo o Brasil daquele tempo e, se calhar, até em Paris. Ali, entre as montanhas de cartões de chope nos botequins e aos sussurros na sala de espera do cinema, antes do começo das sessões, derrubou-se incontáveis vezes a ditadura, libertou-se o Vietnã e decretou-se a vitória definitiva do jeans (da marca Lee) sobre o vinco impecável. Grandes tempos para quem os viveu." Ao final da crônica, constata que "a Geração Paissandu, assim como toda aquela geração, rachou: uma parte foi para a droga, alguns pegaram em armas, muitos foram embora do país e a maioria enquadrou-se. O ideário da Geração Paissandu era modesto: sexo, cinema e uma firme decisão de mudar o mundo. Daí termos ficado tão ofendidos quando o mundo foi mudado à nossa revelia."

Aqui, nesta província praiana, tínhamos também o nosso cinema - o Cine Iperoig - e os bares, nas adjacências, na avenida da praia da cidade. Também queríamos mudar o mundo. Da minha turma, que eu saiba, ninguém pegou em armas, só em copos. Revolucionários de botequins. Cerveja e a ubatubana, da branca ou da amarelinha, foram as drogas da minha geração nestas plagas. Noites (normalmente depois de entregar as minas nas casas de seus pais) e madrugadas regadas a quebra-gelos e cervejas, discutindo o Brasil verde-oliva, o presente e o futuro promissor - sim, naquela época era promissor - de Ubatuba; o imperialismo ianque (qual é o jovem que não padece de antiamericanismo?); os movimentos estudantis pelo mundo; a Guerra Fria; o Chê e seu comparsa o ainda vivo coma-andante Fidel; as curvas da Jane Fonda e as da Leila Diniz. Se bem que eu, sempre, oculta e intensamente, preferisse as da E.G., uma garota, uma deusa indiferente à minha agonia - quando ela ia à praia do Tenório de biquíni, confirmava Aristóteles para quem o belo é constituído pela ordem, pela simetria e por uma grandeza capaz de ser abarcada por um só olhar. Eu, eu abarcava a E.G. e... babava sob o sol, na areia escaldante do Tenório.

Como combustível para as conversas nessas noitadas, ia-se ao cinema e lia-se muito. Li muita porcaria que me fizeram a cabeça e que só pude desinfetá-la a partir dos trinta anos. E a esse respeito, lembro-me de um episódio ocorrido depois que o exército esteve em Ubatuba para "convencer" o prefeito Alberto Santos e seu vice João Coutinho a renunciarem. O governo militar estava no apogeu. Tinha-se de ficar com um olho no gato e outro no peixe. Nessa época, eu me correspondia por cartas com o Fernando Carvalho, que havia sido meu professor de português e que acabou se tornando um dos meus melhores amigos. Ele estava morando em Pindamonhangaba e, certo dia, desconfiei que em duas de suas cartas - uma delas descia o pau no regime - os envelopes estavam com excesso de cola, como se tivessem sido violadas (e haviam sido), abertas e depois nova e porcamente coladas. Uma semana depois, recebi um telegrama desse meu amigo no qual me pedia para dar sumiço em meus livros, que eu ficasse esperto e que não lhe escrevesse mais. Fiquei com o c. na mão. Botei numa caixa H. Marcuse, Sartre, Marx, Caio Prado Jr., dentre outros, e pedi a um amigo que guardasse na casa dele. Depois que passou a tormenta, peguei-os de volta (hoje estão no setor de inservíveis de minha humilde biblioteca). A coleção do Pasquim e do Bondinho, queimei-as no fundo do quintal da casa de meus pais. Pois bem, dias depois desse telegrama, soube que haviam invadido o apartamento do Fernando e que ele estava preso e incomunicável num quartel.

Hoje em dia, eu diria às novas gerações que a minha juventude não foi melhor nem pior do que as das demais gerações. Diria também que a minha geração fracassou nas tentativas de um mundo melhor. No Brasil, por exemplo, o crime organizado (e se organizou nos idos de 70, no presídio da Ilha Grande - ver 1 e 2) mata mais gente (taxa de 50 mil brasileiros assassinados por ano) do que uma guerra como a do Iraque. E as gerações que tanto lutaram pela democracia nos tempos do regime militar? Assistimos, impotentes, a muitos integrantes daquela galera, que sofreram perseguições e combateram o regime em nome da democracia, agora no poder, se omitirem ou ajudarem na construção de uma máquina de corrupção nunca dantes vista neste país e em tentativas de cercear a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão. Hoje sei que muitos desses caras, os nossos "revolucionários", não queriam democracia porra nenhuma, queriam mesmo, e ainda querem, é implantar no Brasil o regime comunista cubano... O que dizer, então, dos genocídios cometidos pelos regimes revolucionários no século XX? Os mortos chegam a aproximadamente 205 milhões de pessoas (O tamanho do crime). Em nome do quê? De um mundo melhor, onde reinaria a justiça, a liberdade, a fraternidade... Hoje eu diria que se você meu jovem quer um mundo melhor comece por mudá-lo a partir de dentro de você mesmo, e seria uma boa começar entendendo a radicalidade de ser cristão (sem os fundamentalismos, fideismos e fanatismos, mas sempre alicerçado na fides et ratio), e das profundezas da caridade, ou amor a Deus e ao próximo (Lc 10,25-37).


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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