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COLUNISTA
Elcio Machado
30/04/2013 - 17h09
A patrulha sionista chega a Ubatuba
 
 

No dia 8 deste mês de abril, o editor da nossa revista O Guaruçá, aqui de Ubatuba, publicou importante matéria sobre o Holocausto, dentro da perspectiva do Instituto Shoah de Direitos Humanos, junto à B’nai B’rith em São Paulo. O texto é assinado pela celebrada historiadora professora Maria Luiza Tucci Carneiro (USP, Laboratório de Estudos sobre a Intolerância), junto com Luiz Carlos Fabbri e Abraham Goldstein, sob o título "Após o Holocausto, onde o ser humano pode chegar?".

Ainda este mês, dia 21, O Guaruçá publicou texto de Abraham Goldstein, presidente da B’nai B’rith no Brasil, entidade judaica dedicada à defesa dos Direitos Humanos, sob o título "O Levante de Varsóvia e a luta pela dignidade".

São leituras atuais, necessárias, coisas para ensinar nas escolas municipais, estaduais e particulares, coisas para jamais esquecer. Mas é necessário um cuidado, lembrando antigo dito popular: pau que bate em Chico também bate em Francisco. Não há que falar em direitos humanos de judeus, de palestinos, de vítimas, de criminosos, trata-se de direitos de humanos. Para ter tais direitos, basta uma e única condição: a de ser humano. Ter sido vítima no passado não autoriza ninguém a vitimizar alguém hoje. Ter sido tratado de maneira desumana não autoriza ninguém, hoje, a tratar quem quer que seja de maneira desumana.

As expressões "patrulha", "patrulha ideológica", "patrulhar" foram muito comuns nos anos 80, aqui no Brasil, quando a esquerda desancava especialmente artistas e intelectuais em geral, dos quais até o início da redemocratização era aliada no combate à ditadura. Qualquer opinião que, remotamente, fugisse ao ideário da esquerda resultava em patrulhas e patrulheiros. Foi um período triste para a liberdade de expressão e opinião, quase tão triste quanto foi o período da ditadura instaurada em 1964. Patrulhas, contudo, creio, existem e sempre existirão - e o que escrevo hoje, de certa forma, não poderia ser considerado patrulhar? Creio que não. É a expressão de uma forte discordância com uma única expressão no artigo que tem a assinatura da professora Maria Luiza Tucci Carneiro: "... pelo antissemitismo político que, nos dias atuais, renascem das cinzas metamorfoseados de antissionismo...". Mas, topologicamente, colocar "antissionismo" em primeiro lugar como "antissemitismo político" isso sim é patrulhar, é fazer chegar a patrulha sionista a Ubatuba ("et orbi", como diria meu amigo que não conheci em vida, Eduardo Souza, jamais César).

O texto da professora Maria Luiza et alii coloca num mesmo saco de batatas o antissionismo e o neonazismo. Logo, se sou antissionista, sou neonazista e antissemita. Uma ova de tainha, professora. Nem nazista, nem neonazista, nem antissemita (fiz parêntese sobre a palavra "antissemitismo" no fim deste texto). Mas, certamente, antissionista, cabendo explicitar que nada tenho contra (na verdade, apóio) um lar nacional judeu, mas que, guindado ao status de Estado, precisa abrigar todos, e não apenas a maioria, abrigar todos os seus nacionais, sejam de quais etnias e convicções religiosas forem. Absolutamente nada contra o Sionismo original, de vertente generosa, humanística e socialista de Theodor Herzl. Mas, hoje, contra no que se transformou, contra o que tem hoje de injusto e violento e que promove conquista territorial através dos assentamentos, depois de ocupar militarmente os territórios que não são seus. Herzl não está vivo para defender suas ideias. Mas suas ideias estão vivas, e não são no que tenta transformá-las o sionismo de hoje.

O problema da abordagem da professora et alii (Abraham Goldstein incluso) é que, como o governo de hoje de Israel, eleito pelo povo - não necessariamente todo o povo - é sionista, ser contra o governo de hoje é ser antissionista e, logo, é ser antissemita político. Isso absolve automaticamente o governo israelense de todos os seus pecados, porque é impossível culpá-lo de qualquer coisa: culpá-lo é ser contra ele, é ser antissionista e, portanto, é ser antissemita.

Concordo integralmente com este trechinho do escrito pela professora et alii: "No entanto, para que esses princípios básicos de Direitos Humanos sejam cumpridos, para que o slogan ’Holocausto, nunca mais’ surta efeito, precisamos estar vigilantes, alertando para o perigo das ideias racistas e orientando nossos jovens a participar ativamente da sociedade, para o bem de todos". Então me pergunto, como Majd Hamad, de 15 anos, filho de uma brasileira, pode participar ativamente da sociedade, para o bem de todos? Ele foi preso neste mês de abril, dia 21, conforme relato divulgado pela BBC Brasil, porque atirou pedras em soldados. Quais outras formas de participar ativamente da sociedade lhe foram oferecidas pelo governo de ocupação militar sionista?

A maior prisão do mundo a céu aberto, um gueto - não o da Varsóvia de ontem, mas da Palestina de hoje -, fica em Qalqilya, cujas coordenadas geográficas 32°11′25.36″N 34°58′06.63″E podem ser introduzidas no Google Earth. Uma imagem da Wikipedia mostra a situação de maio de 2010, algo que remete a uma falsa questão: muro (wall) ou cerca (fence)? Os brasileiros sabem que chuchu dá em cerca, não em muro. Afora condições climáticas e tipo de solo, alguém que tente plantar chuchu na "cerca" de Qalqilya... A questão é falsa porque o fim da guerra fria foi marcada pela queda do "muro da vergonha", o muro de Berlim e, desde então, ficou muito feio falar em muro. A verdade é que se trata de um muro, uma consistente muralha da vergonha construída dentro de território não autorizado pela Linha Verde reconhecida pela ONU. Estima-se que 80% dos habitantes de Qalqilya economicamente produtivos trabalham para pessoas ou empresas israelenses. Surgiu, então, uma primeira experiência pública e exposta de apartheid, ônibus para (segregados) palestinos. Certamente a B’nai B’rith posicionou-se contra tudo isso, mas não encontrei referências na internet.

Parêntese necessário

Antissemitismo é ser contra os semitas. Os semitas são os descendentes de Sem, filho de Noé, aquele do dilúvio e da arca, e que inclui uma extensa relação de povos, incluindo os hebreus, árabes, etíopes e somalis. A apropriação da palavra para se referir exclusivamente aos judeus é coisa surgida no "final do século XIX na Alemanha, como uma alternativa estilisticamente científica para Judenhass ("Aversão a judeus")", diz a Wikipedia. Noé rende até hoje: embriagou-se com o vinho das videiras pós-dilúvio e um de seus filhos, Cam (alguns grafam Cão) teve o desplante de rir de sua nudez, certamente associada aos vapores alcoólicos. Resultado: Noé amaldiçoou não o seu filho petulante, mas o filho de Cam, seu neto Canaan. Foi por essa descrição existente na Bíblia que o pastor evangélico fundamentalista Marco Feliciano, que infelicianamente ainda preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, se sentiu autorizado a dizer que todo o continente africano (que teria sido povoado por Canaan e seus descentes), seus habitantes e seus descendentes são amaldiçoados até hoje.

Tolerância e cansaço

Participei, durante algum tempo, de um interessante grupo que se aglutinou, virtualmente, em torno de um jornalista do Estadão (hoje é também colaborador da Globonews), Gustavo Chacra, cuja ascendência é de origem árabe. Jornalista lúcido e não sectário, viu nascer de seu blog um grupo de pessoas, árabes, judeus, brasileiros descendentes de italianos e japoneses, uma miscelânea, que se reuniu durante bom tempo em restaurantes de São Paulo, civilizadamente, e que trocava e-mails com intensa frequência. Ninguém ali se despiu de suas convicções, mas a convivência foi possível e em clima de fraternidade. Acabou por ocorrer uma certa desagregação, a meu ver, provocada por brasileiros de origem nem remotamente hebraica ou árabe: apenas conflitos de personalidade, talvez cansaço do exercício da tolerância com o Outro, coisa que é comum em qualquer agrupamento humano. Pois bem, mesmo naquele grupo tolerante e aberto algo que sempre emperrava a possibilidade de debates civilizados de teor político ou ideológico era o raio-que-o-parta do rótulo antissionista=antissemita.

Para quem tiver paciência de ler, um bom exemplo dos debates travados no blog do Chacra é a postagem de 27 de junho de 2009, que teve 76 comentários, alguns meus, assinados por Elcio e, principalmente, por ElcioW.

Rotular geralmente não é bom. E, reconheço, isso inclui o rótulo "patrulha". Peço à minha meia dúzia de leitores uma pequena cumplicidade, a de fazer os ajustes necessários.


Nota do Editor: Elcio Machado (cidadania.e@gmail.com), 60, batizado como Elciobebe, sob as bênçãos e maldições de Cunhambebe, caiçara em construção. Mantém o blog Exercícios de Cidadania (cidadania-e.blogspot.com). Permitida a reprodução, desde que citados a fonte e o endereço eletrônico original.
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