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COLUNISTA
Elcio Machado
15/11/2013 - 08h00
Ubatuba, perigo na `Rod. Osvaldo Cruzes´
 
 

O feriado nacional desta sexta-feira, dia 15 de novembro, em celebração da proclamação da república, aponta para intenso incremento do tráfego de veículos pela Rodovia Osvaldo Cruz, porque, dizem a Dersa e a mídia, a Tamoios tem tráfego lento, quase parando, devido às obras de duplicação no trecho do planalto, com entrega prevista para 16 de dezembro (alguém acredita?).

A rodovia estadual SP-125, de 91 quilômetros, começa em Taubaté, no Vale do Paraíba, passa pela Serra do Mar e termina em Ubatuba. É a ligação entre duas rodovias federais, a Dutra e a Rio-Santos. Seu nome oficial, por lei, é “Rodovia Oswaldo Cruz”, em homenagem a um ilustre filho de São Luís do Paraitinga, cidade que fica no quilômetro 39. É uma rodovia que oferece muitos perigos, como lembram as muitas cruzes que tem. Ao descermos pela Osvaldo Cruz há uns dois meses, contamos, eu e a Marlene, ao menos 49 cruzes nas margens das muitas curvas e nos poucos trechos planos e retilíneos. Geralmente são pequenas cruzes simples de madeira, de dois tamanhos básicos: um para indicar adultos, outro, menor, para indicar a morte de crianças.

Postulo que essas cruzes registram a morte de moradores das imediações, de habitantes que foram vítimas de colisões, capotamentos ou, principalmente, atropelamentos. Talvez até de algum assassinato. É que muitas dessas cruzes, às vezes encimando pequenas casinhas tais como capelinhas ou oratórios, estão bem cuidadas, pintadas, e até ornadas com flores de plástico ou, mesmo que já meio murchas, com flores naturais. São cuidadas, preservadas, coisas de gente deste nosso pedaço de terra. Outras, é certo, perdem-se nas brumas do tempo, desbotadas, degradadas, porque talvez já mortos os próprios parentes e amigos cuidadores dos pequenos monumentos.

As pequenas cruzes, os pequenos monumentos estão a nos lembrar sempre da morte - memento mori, porque todos nós vamos morrer. Colocá-las nos locais da morte é um costume popular muito antigo do qual há registros em todo o Brasil, desde, especialmente, o Nordeste, onde há muitas e muitas, até o Sul, até o Rio Grande, terra de Luiz Menezes, que nasceu século passado, 1922, e morreu neste, 2005, em Quarai. Deixou registrada em seu poema "Último Pouso" (trecho abaixo) a visão de uma cruz solita:

Basta morrer pra ser bueno,
basta sofrer pra ser justo,
quem nasce ou morre de susto
nem frase fingida tem;
e dizer que no além
as almas são tão iguais!
Pra que estes luxos demais
depois que somos ninguém?

Mais feliz é a cruz solita
longe no ermo da estrada
sem fita, sem flor, sem nada
marcando o fim de uma vida...
Fica dormindo aquecida
no sol que logo a desbota,
sem frase fria ou lorota
nessa sesteada comprida...

Gosto da cruz do proscrito
na solidão da campanha,
tendo a garrafa de canha
por promessa recebida;
me dêem esta cruz perdida
pra que o gaúcho passando,
viva sempre me acenando
numa eterna despedida.

Deve ser um costume popular de origem portuguesa, ainda que na Portugal de hoje não mais sejam vistas cruzes às margens das autoestradas, as IP (itinerário principal) e IC (itinerário complementar). Mas talvez existam nas complementares EN (nacionais) e nas ER (regionais), que por estas, secundárias, minhas filhas Ligia e Elka dirigiram o carro alugado, mas Marlene só registrou a presença de cruzes em acessos às aldeias, especialmente na região de Montalegre, Trás os Montes.

Aqui também é assim, nas margens das grandes rodovias, e cito a do Oeste (Castelo Branco), a Ayrton Senna e a Carvalho Pinto, onde também não existem as pequenas cruzes.

Elas, as cruzes, marcam as mortes por acidente e também as mortes por assassinato. Quando eu era criança pequena curumim mesmo caipira em Araraquara, no interior de São Paulo, tinha pavor de uma cruz solita no Estradão, uma rua de terra que marcava o final da Vila Xavier e onde havia um boteco mal-ajambrado, assustador, conhecido como Risca-Faca. A cruz ficava a poucos metros do boteco, na junção com a rua que ganhou o nome de Risca-Faca, que tinha uns casebres assemelhados a cortiços, para onde a arquitetura da gentrificação, ainda pela década de 60 do século passado, já tinha expulsado os pobres e miseráveis, os famosos “menos afortunados”. Era o pavor da certeza da morte associada à incerteza do risco, porque se alguém já tinha morrido lá de morte matada, assassinado, será que eu, pequenino, não seria o próximo?

Talvez esteja a dizer tudo isso porque, com o coração confrangido, recomendei ao meu filho Juliano que viesse para cá pela rodovia Osvaldo Cruz, a das cruzes, contrariando a orientação anterior que dei antes de saber do monumental congestionamento da Tamoios.

Osvaldo Cruz

Era um autoritário, o médico sanitarista Osvaldo Cruz. Um autoritário a mais, num dos vários períodos da história brasileira nos quais o autoritarismo era dominante e dava as caras, para o bem e para o mal. Osvaldo Cruz foi, se é que essa figura existe, um autoritário do bem, não pelos princípios ontológicos que jamais podem justificar o autoritarismo, mas pelos resultados que conseguiu.

Osvaldo Cruz conseguiu, em 1903-1904, com seus batalhões “mata-mosquitos”, eliminar os focos de Aedes (do grego, odioso) aegypti (do latim, “do Egito”), os mesmíssimos pernilongos que hoje transmitem o flagelo da dengue, com registro de epidemias aqui em Ubatuba em tempos muito recentes. Naquela época (e, potencialmente, hoje) esses pernilongos transmitiam a febre amarela. Autoritário, conseguiu uma Lei da Vacina Obrigatória contra a varíola, que teve como resultado a Revolta da Vacina no Rio de Janeiro, em 1904, que deixou uns 30 mortos e foi muito mais intensa do que as manifestações de junho deste ano. O governo de então recuou, suspendeu a vacinação obrigatória, mas depois instituiu um programa sustentável que iniciou o combate, através da vacinação voluntária, que culminou com com a erradicação da varíola no Brasil por volta de 1970. Em 1980 a Organização Mundial da Saúde, da ONU, considerou a doença como erradicada em todo o mundo. Olhe seu braço, em geral o esquerdo: se tem uma cicatriz circular, de cerca de um centímetro de diâmetro, você foi vacinado contra a varíola, vacina muito provavelmente produzida pela Fiocruz. Se não tem, nasceu depois de 1980. É bom lembrar que a doença que mais matou os primeiros habitantes daqui do litoral (afora os sambaquieiros), os Tupinambá, Tamoio e todos os outros povos indígenas, foi a varíola, trazida pelos europeus, portugueses principalmente.

Osvaldo Cruz correu riscos, inclusive científicos, mas, no fim, deu tudo certo. Nenhuma atividade humana, nenhuma iniciativa científica, nenhuma inovação, é isenta de riscos: é afirmação tão correta como a de que qualquer ser vivente, humanos em particular, algum dia vai morrer, morte irreversível. Não fosse assim Lázaro estaria vivendo entre nós até hoje e Matusalém teria uns incríveis 5 mil anos de idade, para ficar na referência dos livros sagrados do Cristianismo, o novo e o velho. Se nenhum milagre é impossível pelo Deus criado pelo Ocidente, o de manter alguém vivo em carne e osso incorruptíveis e funcionais desde o nascimento, esse milagre impossível ainda não aconteceu.

À margem, é sempre bom citar um pretenso autoritário do bem, Hilary Koprowski, criador de uma das vacinas contra a poliomielite. Outros foram Jonas Salk e Albert Sabin, este último o que criou a vacina que erradicou a poliomielite no Brasil, a que é administrada na forma de gotinhas orais. Koprowski usou, para desenvolver sua vacina, entre 1957 e 1960, cobaias humanos pretos e pobres, no então Congo Belga, em Ruanda e em Burundi. Foram vacinados compulsoriamente, sem saberem o que estava sendo injetado neles. Colocados num mapa, esses locais foram aproximadamente a mesma região onde, anos depois, apareceram os primeiros casos de AIDS em humanos, o início da epidemia mundial. Hoje há considerável base científica para a afirmação de que a doença era endêmica nos primatas usados para a produção das vacinas de Koprowski.

A Proclamação da República

A “Proclamação da República” foi um ato autoritário, ou, menos que ato, um fato autoritário creditado ao indeciso marechal Deodoro da Fonseca (quando eu era criança pequena caipira me falavam sempre, como que um gancho mnemônico, “Deodoro da Fonseca, perna fina, bunda seca”). Uma quartelada, um golpe, cujo cordel detonante foi o boato, depois revelado como inverídico, do decreto de prisão contra Deodoro, pelo governo do primeiro-ministro (do Império), visconde de Ouro Preto. O velho marechal era amigo do imperador Dom Pedro II e, no próprio dia 15 de novembro do ano de inauguração da República, bradou vivas ao imperador.

Assim como a Ubatuba em que vivemos é a “Ubatuba dois” (porque a “Ubatuba um” dos relatos de Hans Staden é da região de Angra dos Reis), a história é contada mais pelo que convém do que pela pesquisa de fundo realmente científico.

A República só se legitimou no plebiscito de 1993, regime que teve a preferência de 86,6% dos eleitores, contra 13,4% que foram a favor da monarquia (computados somente os votos válidos).

Osvaldo ou Oswaldo?

Enquanto vivo, Oswaldo. Morto, Osvaldo. A morte chega para todos, inexpressivos anônimos como a imensa, esmagadora, maioria de nós, como também para os poucos célebres em vida ou após a morte. Osvaldo Cruz tornou-se respeitada celebridade ainda em vida, médico sanitarista e epidemiologista de profícuo e criativo fazer. Deixou legados, entre os quais a internacionalmente conhecida e respeitada Fundação Oswaldo Cruz, que tem história e credibilidade suficiente para ignorar o que diz a Wikipedia: “A grafia original do nome do biografado, Oswaldo Gonçalves Cruz, deve ser atualizada conforme a onomástica estabelecida a partir do Formulário Ortográfico de 1943, por seguir as mesmas regras dos substantivos comuns (Academia Brasileira de Letras – Formulário Ortográfico de 1943). Tal norma foi reafirmada pelos subsequentes Acordos Ortográficos da língua portuguesa (Acordo Ortográfico de 1945 e Acordo Ortográfico de 1990). A norma é optativa para nomes de pessoas em vida, a fim de evitar constrangimentos, mas após seu falecimento torna-se obrigatória para publicações, ainda que se possa utilizar a grafia arcaica no foro privado (Formulário Ortográfico de 1943, IX).”

Autoestrada ou auto-estrada? Pelo novo Acordo Ortográfico, “autoestrada”. Mas Portugal resiste e lá ainda se grafa “auto-estrada”, da mesma forma como lá troço, entre outros significados, é um pedaço de uma estrada.

São Luiz do Paraitinga ou São Luís do Paraitinga? Sobre paraitinga há poucas dúvidas, trata-se de (pará) um rio grande e bem claro, branco (i-ti-inga). Mas se São Luís é como se deve escrever, São Luiz é o nome oficial da cidade, pela qual passa o grande rio tinga, de águas claras, brancas e que, de vez em quando, causa estragos, como nas enchentes de 2010.


Nota do Editor: Elcio Machado (cidadania.e@gmail.com), 60, batizado como Elciobebe, sob as bênçãos e maldições de Cunhambebe, caiçara em construção. Mantém o blog Exercícios de Cidadania (cidadania-e.blogspot.com). Permitida a reprodução, desde que citados a fonte e o endereço eletrônico original.
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