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Opinião
29/01/2021 - 06h09
Muito além do chamado de Cthulhu
Dartagnan da Silva Zanela
 

Há muita gente que, quando ouve a palavra conservador, vê no âmago do seu coração brotar um vibrante instinto assassino. Esses abençoados, invariavelmente, não sabem o que dizem, mas sentem com uma tremenda intensidade uma raiva hedionda palpitando entre suas costelas.

Também há inúmeras figuras, figurinhas e figurões que se auto proclamam conservadores - de buena estirpe como eles mesmos dizem - mas só o são da boca pra fora. Seu oportunismo e superficialidade não enganam ninguém. Mentira. Engambelaram muita gente boa e muitos caboclos de sangue ruim.

E, é claro, há uma penca de pessoas com uma baita inclinação conservadora, só que não o sabem, inclusive entre aqueles que engrossam as fileiras rubras do apocalipse do falso profeta barbudo, com sua coleção de furúnculos. Tal fenômeno é estranho, sei disso, mas, como havia dito, há pencas e pencas de pessoas assim, incônscias de sua condição.

Michael Oakeshott lembra-nos que há, em todo ser humaninho, uma disposição conservadora. Uma disposição natural, sem carimbo acadêmico, forjada de prudência, ceticismo e bom humor. Prudência sem sofisticação, ceticismo sem afetação e bom humor sem papas na língua. Era desse jeito que nossas avós eram e é mais ou menos assim que um conservador procura ser.

Uma pessoa cônscia dessa disposição conservadora jamais espera uma solução geral e final para os problemas humanos, porque do ser humano, de cada um de nós, pode-se esperar as melhores e as piores coisas possíveis, pensáveis e, é claro, impensáveis por nós no momento.

Seja um tiozão do zap, ou um moço garboso de gravata borboleta lendo um livro de Roger Scruton, um conservador é uma pessoa que sabe o quão importante é o cultivo do famigerado senso das proporções, popularmente conhecido como bom senso.

Todos nós, uma vez ou outra, agimos sem um mínimo de bom senso. Não apenas isso. Corremos o risco de, num futuro não muito distante, agirmos assim, trocando os pés pelas mãos, tendo em vista que somos o que somos: humanos. Porém, não existe nada mais sem proporção do que uma ideologia política que move seus devotos a crerem que sua visão de mundo é mais preciosa que o próprio mundo com as pessoas que o habitam.

Uma ideologia - seja ela o marxismo, o nazismo, o fascismo, o racismo, o feminismo e similares - invariavelmente colocam sua concepção de humanidade no lugar da pessoa humana, fazendo da falta de bom senso, fruto de sua ânsia por construir uma nova ordem, a medida de todas as coisas.

Se fôssemos resumir em poucas palavras, conservadorismo é isso. Não é uma ideologia. É uma contra ideologia. Como nos ensina G. K. Chesterton, bem como Camilo de Oliveira Torres, o conservadorismo seria a valoração do homem comum, com suas idiossincrasias demasiadamente humanas, a compreensão de que somos imperfeitos e falíveis.

Trocando em miúdos: o homem comum não sabe o que fazer com as queimadas sazonais que ocorrem pelo mundo e na Amazônia também, mas não deixa de plantar inúmeras árvores para formar, como eles mesmos dizem, um bom arvoredo; eles não sabem como resolver os problemas de saúde que assolam o mundo, mas não deixam de visitar seus vizinhos e conhecidos que estão enfermos, nem deixam assisti-los no que for necessário.

Toda pessoa, com essa disposição natural, que não tenha sido maculada pelos delírios acadêmicos e ideológicos, sabe que colocar a humanidade (um ente abstrato) acima da pessoa humana singular é a fórmula mais do que perfeita para nos levar ao flagelo de um totalitarismo genocida.

Olhar para uma promessa utópica - dum futuro hipoteticamente radiante, perfeito, lindo e fofo - sem confrontá-la com a experiência acumulada por gerações e mais gerações para, desse modo, frear nossa sanha justiceira revolucionária, sempre acaba nos levando a construção de uma tragédia. Uma tragédia que poderia ser evitada, mas que muitas vezes não foi. Infelizmente, esse é o resumo do resultado obtido por todas as promessas utópicas que sonhavam e sonham com um paraíso sem Deus na terra e que, por sua própria natureza, sempre terminaram, e sempre terminarão, por erigir um inferno terreno do jeitinho que o encardido gosta.

Enfim, uma vez ou outra o espírito revolucionário grita nas cavidades cavernosas de nosso coração, perguntando: “Por que não?!” Se isso ocorrer, lembremos de dar ouvidos a voz da inclinação conservadora que habita em nós que dirá, com um sorriso sarcástico no rosto: “ora, porque não”.

Compreendamos que sempre há inúmeras variáveis que uma consciência ideologicamente deformada não leva em consideração. Não leva e não quer levar.

Resumindo o entrevero: se não somos capazes de ser céticos com relação às nossas convicções, acabaremos agindo de forma inconsequente e terminaremos por sermos figuras incapazes de rir de si e de sorrir com os outros, por termos nos fechando para a Graça por, soberbamente, nos considerarmos umas gracinhas cheias de protagonismo.


Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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