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Crônicas
12/02/2021 - 06h37
Lampião e a violência do cangaço
Rangel Alves da Costa
 

Não há como negar que o cangaço foi um antro de perpetração de todos os tipos de violências e perversidades. Também não há como negar que suas ações violentas não se voltaram apenas para o revide, para a defesa perante as agressões, para atacar e se defender contra as forças volantes. Tais ações seriam justificadas no campo da guerra, dos combates ferozes, no custo para salvação de vidas e na superação dos desafetos. Outras ações violentas, contudo, jamais poderão ser justificadas, principalmente quando praticadas contra indefesos ou inocentes nordestinos.

Muito se fala da exacerbada violência das forças volantes, e fato incontestável. Igualmente ao cangaço, as forças de perseguição mataram inocentes, estupraram, extorquiram, amedrontaram e espalharam o terror pelos sertões. A mera aproximação dos “macacos” já era motivo suficiente para que o medo tomasse conta de todos. E não sem razão o temor, vez que a volante tinha o homem da terra na mesma conta do cangaceiro. Ou pela suposição de ser coiteiro ou protetor de bandoleiro.

Esta suposição de que todo homem da terra era coiteiro, amigo dos cangaceiros ou conivente com suas práticas, gestou dolorosas consequências. Muitos sertanejos foram retirados de seus casebres para serem forçados a dizer - mesmo sem saber - onde o bando estava acoitado. Sangrados, chicoteados, apunhalados, pendurados de cabeça pra baixo em pés de pau, levados amarrados para a morte certa. E assim a feroz covardia das volantes foi fazendo o festim do medo e do sangue pelos confins nordestinos.

Há de se observar, porém, que as volantes não tinham compromisso algum com o homem da terra, não defendiam seus interesses e sequer o protegia contra as investidas cangaceiras. Diferentemente ocorria com o cangaço, cuja bandeira justificando a luta sempre foi o enfrentamento das injustiças, da opressão e da violência dos poderes contra os desvalidos.

Quer dizer, o cangaço passou a violar a dignidade, a honradez e a integridade física de seu igual: o homem da terra, o pobre, o injustiçado. O cangaço investiu e espalhou violência dentro de seu próprio berço de gestação e contra o seu irmão de sofrimento. Ora, não raro que cangaceiros nascidos em determinada povoação, quando lá retornavam praticavam verdadeiras atrocidades. E nem sempre porque seus conterrâneos haviam se tornado delatores ou como ajustes de contas pelas intrigas passadas, mas tão somente pela força impulsiva da violência.

Em tal contexto de violência cangaceira, urge indagar: Qual o papel, a culpa ou a responsabilidade de Lampião? Antes de possíveis respostas, necessário a observância de alguns aspectos. Na seara do cangaço, e mesmo sob seu comando, Lampião era apenas mais um cangaceiro. No contexto de liderança sobre os demais, Lampião era o seu comandante. Já no contexto do cangaço como um todo, Lampião possuía reinado, era o governante, o mandatário maior. E sendo rei e governante, qual seria sua responsabilidade sobre as violências praticadas por seus comandados?

A resposta poderia chegar pela responsabilidade administrativa e criminal modernas. No mundo jurídico de hoje, o detentor de poder pode responder pelas condutas ilícitas de seus agentes, principalmente pelo poder de vigilância que detém. Já na seara criminal, o mandante também será responsabilizado pelo crime praticado pelo executor. Sob tais perspectivas, certamente que Lampião teria que carregar nas costas infindas responsabilidades pelas condutas de seus cangaceiros. Mas também pelas próprias condutas.

Há de se observar, contudo, que as responsabilidades de Lampião teriam que recair somente enquanto líder de grupo, daquela parte do bando sob seu comando, e não pelas ações violentas perpetradas pelos subgrupos, vez que estes possuíam suas próprias lideranças, a exemplo de Corisco e Zé Sereno. Na visão geral, a parte do bando que permanecia com Lampião não deixava de ser também um subgrupo no contexto maior do cangaço. E sobre seu subgrupo sua responsabilização recaía.

Mas também a responsabilização lhe seria imputada quando cangaceiros de outros subgrupos estavam sob sua liderança ou perante sua presença, enquanto comandante maior. Quando, por exemplo, em 32, Zé Baiano colocou ferro em brasa nas faces das mocinhas de Canindé, Lampião estava presente. Foi conivente, permitiu que acontecesse a barbaridade. A sua culpa foi inegável no episódio. Deveria impedir e não impediu. Foi igualmente violento e criminoso.

E mais ainda, quando, também em 32, ordenou que o cangaceiro Gato - acompanhado de Azulão, Medalha, Suspeita e Cajueiro - matasse quem encontrasse pela frente desde o Couro ao Santo Antônio, e a cangaceirama matou sete inocentes num só dia, e desde o Couro ao São Clemente, em Poço Redondo, restou induvidosa a culpa do mandante Lampião sobre as mortes. Gato havia recebido ordens para matar. Havia um mandante.

Apenas alguns exemplos da violência do cangaço e da culpa de Lampião por inúmeras atrocidades praticadas sertões adentro. Os cangaceiros eram violentos sim, mas muitos exacerbaram suas perversidades pela conivência, senão pelo mando, do líder maior.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).

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