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Crônicas
25/02/2021 - 06h15
O ano em que tivemos dois carnavais
Daniel Medeiros
 

Era o ano de 1912 e, verdade seja dita, o carnaval não era ainda essa folia de dezenas de escolas na avenida e centenas de blocos pelas ruas. Havia o corso e os bailes. Mas muitos já arriscavam um pula pula pelas ruas, participando do jogo das molhadelas, atirando e recebendo as bolinhas de cera com seus conteúdos perfumados ou mal cheirosos, ao som adaptado pra folia das valsas, polcas e mazurcas, adicionadas de uns tantos batuques do pessoal da Bahia que, lá do morro, já providenciava o nascimento do samba. Aliás, as marchas carnavalescas já tinham pelo menos uma representante reconhecida por todos, inclusive pelas altas esferas: Chiquinha Gonzaga. Seu “abre alas” era um sucesso nos cordões que iam pelas ruas se arrastando feito cobras pelo chão. Em 1914, Chiquinha tocaria, em pleno palácio do Catete, o seu Corta-Jaca, que servia de fundo musical perfeito para uma dança tangueada, com corpos bem juntos e movimentos salientes. Foi um escândalo.

Mas nossa história se presta a contar o que ocorreu em 1912, no sábado que antecedeu o início das folias de Momo. Morre, aos 66 anos, o Barão do Rio Branco, o grande ministro das Relações Exteriores de vários governos republicanos, embora fosse um monarquista empedernido. Foi uma consternação incrível, com cenas de choro público e tudo. O povo, de fato, tinha por aquele homem robusto e de fartos bigodes, um apreço verdadeiro. Afinal, o Barão ganhou de lavada a Questão das Missões aos argentinos! E, de quebra, ainda comprou o Acre aos bolivianos, fora umas duas ou três outras pendengas diplomáticas com a França que ele resolveu com uma mão nas costas. Era soberbo. E morreu. O presidente da República da ocasião era o vetusto e atabalhoado Marechal Hermes, apelidado de Dudu e com fama de burro pedrês. Aliás, conta o anedotário que Maurício Lacerda (que foi um personagem bem importante, mas que ficou mais conhecido como o pai do Carlos Lacerda, sobre o qual muitas histórias poderiam ser contadas), que trabalhava no gabinete do presidente, foi interpelado por um visitante que, vendo-o à entrada da sala do Marechal, pergunta-lhe: Maurício, você está aí para impedir que as ignorâncias entrem? Não - respondeu de pronto o Lacerda pai - estou para impedir que a burrice saia.

Mas então o Barão do Rio Branco morreu. E o Dudu resolveu, em sua homenagem, transferir o carnaval para abril, junto com a Páscoa. Não fazia sentido festejar na missa de sétimo dia de homem tão ilustre e que tanto fez pelo país. E foi lavrado o decreto.

No primeiro momento, a atitude foi acatada com palmas. É isso, faz sentido. Afinal, é o Barão. E depois, carnaval tem todo ano. Por que não é possível esperar uns meses que sejam?

O cortejo fúnebre, em direção ao cemitério do Caju, foi incrível. Só Rui Barbosa, uma década depois, atrairia tanta gente para a sua morte. O Barão - que muito depois virou festejada nota de mil cruzeiros - foi homenageado com honras de chefe de Estado.

Mas daí a semana foi passando, as lágrimas sendo enxugadas, os batuques se intensificando, as roupas do entrudo e as bolinhas de cera sendo preparadas, os carros do corso todos enfeitados e o fato é que a folia apagou as solenidades e, afinal, uma semana de luto já era de bom tamanho. E fez-se o carnaval.

E já que o presidente havia marcado outra data, em abril, quem iria recusar? E em abril, a população encheu as ruas outra vez. Uma marchinha fez um grande sucesso nesses dois carnavais - uma premonição compensatória para o futuro que é o nosso insosso presente - brincando com o Barão, agourando o Dudu da Fonseca, presidente sem graça e sem competência. Dizia assim: Com a morte do barão / tivemos dois carnavá. / Ai que bom, ai que gostoso / se morresse o marechá.

Hoje, resta-nos o sorriso amarelo por trás da máscara e, talvez, uma maledicência reprovável na secreta adaptação dos versos.


Nota do Editor: Daniel Medeiros (danielmedeiros.articulista@gmail.com) é doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.

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