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Opinião
25/02/2021 - 06h17
A estampa da malandragem
Gaudêncio Torquato
 

A malandragem que se credita ao DNA brasileiro tem sido usada intensamente nesses tempos de epidemia. Os casos são de arrepiar. Em Manaus, duas irmãs gêmeas, filhas de um empresário do ramo da educação, foram exoneradas da Prefeitura por suspeita de terem furado a fila da vacinação. Formadas em medicina no ano passado, nomeadas entre 18 e 19 de janeiro para trabalhar numa Unidade Básica de Saúde, foram as primeiras a receber as vacinas. No Rio de Janeiro, uma idosa de 97 anos foi enganada: a enfermeira foi flagrada pela cuidadora, que viu a agulha sem a dose da vacina no braço da mulher. A malandragem campeia.

Furar filas tem sido um comportamento usual por parte de muita gente. Como pano de fundo, como se sabe, os notórios “furadores”, aqueles que ostentam o poder do cargo, autoridades de todos os níveis especializados na “carteirada” com sua arrogância: “você sabe com quem está falando?” A situação é tão comum que, em alguns casos, tornou-se um negócio. Filas para emprego, recebimento de benefícios, cestas de alimentos, compras de ingresso, que se iniciam nas madrugadas, são frequentemente ocupadas por “guardadores de vaga”, com seus banquinhos para sentar e aguardar os fregueses que “compram” o lugar. Quanto mais próximos do atendimento, mais caros os espaços.

Outro imenso contingente que vive dos negócios da rua é o do guardador de vaga para estacionamento. É o malandro profissional. Se chegar em cima da hora do evento, o dono do carro não tem saída: submete-se ao orientador das vagas, estaciona o carro e paga com antecedência. O vendedor não aceita o argumento: “pagarei na volta”. Nos arredores de estádios de futebol e parques de lazer, não há moleza. Se não pagar, na volta seu carro corre o risco de depredação. Estacionamento para deficientes e idosos também entra na negociação, mesmo que o motorista mostre Cartão do Defis, que dá direito ao uso da vaga. Há, ainda, os vendedores de capas plásticas. Chuvas pesadas garantem preço bem maior que nos chuviscos.

Na paisagem urbana, há um grupo que não pode se classificar como malandro. São os vendedores de balas e chicletes, que precisam correr para colocar os pacotes sobre vidros retrovisores, apanhá-los de volta, calculando o tempo para a troca de farol e fazendo pitorescos dribles para passar adiante as balinhas. São azucrinados pelas buzinas dos carros de trás. Muitos levam filhos pequenos para ajudar na jornada.

O fato é que a estética de nossas ruas é um desenho mal-ajambrado de pequenos e grandes malandros, e também de pessoas necessitadas, esmoleres, deficientes físicos, famintos com cartazes anunciando o tempo de barriga vazia, adolescentes dando pinotes, jogando bolas para o ar, fazendo piruetas incríveis, e até gente de porte atlético pedindo “emprego”, esse sonho que atanaza a vida de quase 15 milhões de brasileiros.

E, como fecho, a malandragem tecnológica. Um Instituto de Pesquisa americano (Cibersecurity Ventures) calcula que os crimes digitais este ano impactarão a economia cibernética em U$ 6 trilhões. Só a China e os EUA têm um PIB maior que esse montante. A malandragem tem um campo fértil para prosperar por aqui.

O cenário do “jeitinho brasileiro” está ganhando novas tintas. Sob a pandemia, a criatividade avulta até junto aos moradores de rua, que passam a se esconder em lugares recônditos. Pedintes ganham moedas tendo ao lado um frasco de álcool gel. Distribuidores de folhetos, com seus maços encalhados, também exibem seu apetrecho de álcool, atenuando o receio dos transeuntes. Limites e espaços se estreitam. E nossa margem de caridade desce na escala espiritual.

Os contrastes assombram. Grupos empresariais passam por extraordinários aumentos em seus lucros líquidos. O cimo da pirâmide fica mais poderoso, enquanto a base se alarga com a volta de milhões de famílias ao habitat da pobreza.

O arremate é desolador: a pandemia nos deixará mais carentes e o país verá uma queda de mais de 4% de seu PIB. E para onde vai nossa fé? Fernando Sabino, grande escritor, nos consola: “de tudo ficam três coisas...a certeza de que estamos começando...a certeza de que é preciso continuar...a certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar. Façamos da interrupção um caminho novo. Da queda, um passo de dança. Do medo, uma escada. Do sonho, uma ponte”.


Nota do Editor: Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação. Twitter@gaudtorquato

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