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Crônicas
08/03/2021 - 07h51
Últimas horas de domingo
Henrique Fendrich
 

É um domingo, seis horas da tarde. Começam a despontar as primeiras estrelas, as luzes dos postes já se acendem, diminui o movimento de pessoas nas ruas: é mais um final de semana que caminha para o fim. Costumamos chamar essas últimas horas de um domingo de melancólicas, porque é o fim do nosso descanso, porque amanhã cedo estaremos de volta ao trabalho, geralmente um trabalho de que nós não gostamos, mas ao qual não podemos nos furtar. E, contudo, há melancolias muito maiores do que essa acontecendo por toda a cidade e nem percebemos.

Imaginem um prédio comercial, desses que só funcionam de segunda a sábado. Naturalmente, não há ninguém fazendo compras ali nas últimas horas de um domingo, mas isso não significa que o prédio esteja vazio. Se você prestar atenção enquanto passar por ali, se esticar o olhar para dentro, provavelmente vai ver alguns movimentos e talvez ouvir alguns sons.

Trata-se do segurança do prédio. O segurança do prédio precisa estar ali mesmo que nenhuma loja esteja funcionando - na verdade, é justamente para momentos como esse que a sua presença é exigida. É domingo, seis horas da tarde, já está anoitecendo e o segurança está sozinho dentro do prédio. Ele é um homem já de certa idade e isso explica o fato de ter, como a sua única companhia, um aparelho tão fora de uso como um radinho de pilha. O que ouve o segurança no rádio de pilha às seis horas da tarde de um domingo? Evidentemente, os comentários sobre a partida de futebol que acabou ainda há pouco.

Graças ao rádio, ele havia conseguido se livrar do tédio ao redor e se transportar para um estádio, para a própria beira do campo. Ele ouviu a partida inteira, ouviu as entrevistas ao final do jogo, ouviu tudo o que disseram os comentaristas, acompanhou a votação do “craque do jogo” e ainda ouvia quando o apresentador anunciou o final da transmissão. E, durante todo esse tempo, ele permaneceu ali, dentro de um prédio comercial onde não acontecia nada, onde ninguém podia ouvir o que ele tinha a dizer a respeito do jogo que havia acabado de acompanhar.

É o fim do domingo chegando mais uma vez. O segurança olha para fora e por vezes até vê um ou outro pedestre, mas já são bem poucos. Devem estar indo a uma igreja. Muitos dedicam as últimas horas do domingo para irem a missas ou cultos. Por certo, o segurança também tem a sua crença religiosa. Mas ele não está em condições de honrar os dias santos, ele precisa passar os dias santos trabalhando, dentro de um prédio comercial onde não há mais ninguém.

O segurança provavelmente tem uma família, mas não pode estar com ela nos últimos momentos do domingo. Dirá alguém que ele terá alguma folga durante a semana, e é verdade, mas então já não é a mesma coisa, porque o resto da família não estará de folga com ele. Ele, de toda forma, passará a noite ali, tomando conta de um prédio que não é o seu, e só porque não se pode confiar no ser humano, não se pode deixar um prédio desses dando sopa por aí.

Se entrevistado, é provável até que o segurança dissesse que não tem problema, que já se acostumou com essa rotina, e isso certamente aliviaria a nossa consciência. Mas nem por isso esse cenário deixaria de configurar um quadro triste, mais melancólico do que o nosso, nós que passamos as últimas horas de domingo ao lado da família, perto da geladeira e do computador, e que reclamamos da musiquinha do “Fantástico” sem saber o quanto somos felizes.

Pensai, por um instante que seja, no segurança de um prédio comercial, nas últimas horas de domingo do segurança de um prédio comercial.

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