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Opinião
09/03/2021 - 06h40
Para além das luzes da imprensa
Dartagnan da Silva Zanela
 

Como todo mundo sabe o papel da grande imprensa não é, em si, informar com isenção. Não. Quer dizer, há alguns grupos “ocultistas”, aqui e acolá, que sorrateiramente pregam essa “teoria da conspiração” pelos quatro cantos do globo (tô de brinks), mas, infelizmente, os fatos, sempre eles, insistem em puxar o nosso tapete de ilusões e nos fazer cair de cara no chão duro da realidade.

Ora bolas, carambolas, mas qual seria então o papel da grande mídia? Além de “informar”, seria fazer torcida, motivar os torcedores e aumentar a patota da torcida, de forma velada ou escancarada.

Se prestarmos a devida atenção, e não ficarmos com firulas mil, veremos com clareza que, brincadeiras a parte, a imprensa acaba invariavelmente desempenhando esse papel, só que o faz esforçando-se para não dar na pinta, procurando parecer a “isentona” da história, vendendo a imagem de que ela quer apenas, tão somente e nada mais, ilustrar a população que, no seu entender, carece e muito de sua orientação, por se considerarem um subproduto do século da Ilustração.

Nada impede que uma entidade faça isso. Não mesmo. Porém, elas poderiam ao menos agir com sinceridade e isso, em épocas mais divertidas, acontecia entre nós e era muito interessante.

Por exemplo: nos anos cinquenta do século passado, todos sabiam que o jornal “Última Hora” de Samuel Wainer era um órgão de imprensa que apoiava o getulismo, da mesma forma que todos sabiam que o jornal “Tribuna da Imprensa” de Carlos Lacerda era uma empresa jornalística anti-getulista até o tutano; e ambos, Lacerda e Wainer, eram reconhecidos como grandes jornalistas, independentemente de suas predileções políticas. Todos sabiam claramente para quem cada um deles “torcia”.

E veja só, fazer torcida não significa, necessariamente, mentir deliberadamente. Aliás, a mentira deliberada não é o melhor de todos os estratagemas que podem ser utilizado por uma pessoa de verve maquiavélica, apesar dela, a mentira, encantar fervorosamente algumas plateias de focas ideologicamente amestradas. É eficaz, sim, em curto prazo, mas, cedo ou tarde, aquilo que ao ser noticiado parecia ser grandioso, ou escandaloso, rapidamente pode acabar sendo desnudado diante dos olhos de todos. Enfim, mentiras e calúnias sempre foram, e sempre serão, molecagens cínicas presentes entre nós, infelizmente.

Voltando ao ponto: a grande sutileza da torcida fomentada pela grande imprensa, e muitas vezes realizada ou replicada por nós, está na forma como algo é noticiado. Forma essa que pode ser muito bem compreendida e resumida pela velhíssima história do meio copo d’água. Os adversários moderados dirão que ele, o copo, está meio vazio; os inimigos irredutíveis irão afirmar peremptoriamente que é um absurdo que ele esteja quase vazio; já aqueles que são partidários do copo declararão que o dito cujo está meio cheio, enquanto os sectários fanáticos não irão medir palavras para destacar o fato de que falta muito pouco para que ele comece a transbordar.

Com a divulgação de notícias isso não é muito diferente, nem um pouco, porque onde há gente, existe muito mais malícia do que uma vontade sincera para conhecer a verdade, aceitá-la e humildemente proclamá-la. Aliás, ocultar a verdade, ou divulgá-la com desdém, diminuindo a sua importância, é outro estratagema cínico que é utilizado três por quatro e, tudo isso, não é de modo algum, mentir deliberadamente. Não. Tais práticas são muito mais sofisticadas que o mero mentir e nós, em nossa simplicidade inconfessável, corremos o risco de sermos engambelados por elas.

Para não sermos engambelados é imprescindível que aprendamos a nos dispor a tentarmos imaginar que nós podemos estar errados naquilo que, até então, tínhamos como certo; é fundamental que admitamos que podemos e que possivelmente seremos uma vez ou outra feitos de otário, porque, gostemos ou não, isso é a mais dura realidade da vida. Por isso é tão importante que estejamos dispostos a conhecer a verdade, mesmo que nos doa e nos faça ficar com aquela cara de pastel.

Junto com isso tudo - e devidamente misturado com frutas variadas e muito leite condensado - é importante que tenhamos paciência para realizarmos essa empreitada. Paciência, muita paciência e, com ela, lembrarmos que qualquer coisa que pensemos, no momento, a respeito de algo, não irá mudar os rumos do mundo, porque ele, o mundo, está nem aí para o que pensamos.

Sim, já sei: é aí que a porca torce o rabo e revela o quão leviano somos no ato de nos informar, e na prática de replicar as informações que recebemos, como bons torcedores [depre]cívicos que somos e que, por isso mesmo, temos tanta dificuldade de admitirmos a presença dessa leviandade nada original que habita o coração turvo de cada um de nós.


Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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