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Crônicas
09/04/2021 - 06h32
O jagunço, o capanga
Rangel Alves da Costa
 

O sangue escorrido na história nordestina e sertaneja tem muito do jagunço e do capanga. Muitas vezes, a confusão se generaliza na explicação dos atos brutais de ambos. Mas a verdade que nem sempre o jagunço foi capanga e nem o capanga foi jagunço, mas aquele tendendo mais a praticar as mesmas ações jaguncistas.

Vamos, contudo, ao que dizem os livros. Os dicionários dizem que jagunço é sujeito criminoso, homem violento contratado como guarda-costas por indivíduo influente. A Wikipédia erra feio ao dizer que “jagunço ou capanga era, no nordeste brasileiro, o indivíduo que se prestava ao trabalho paramilitar de proteção e segurança às lideranças políticas”.

Era feio pelo simples fato da generalização. O modus operandi de um é diferenciado do outro. Até mesmo o tipo de armamento utilizado por um se diferenciava do cano de fogo do outro. Arma na cintura é coisa de capanga. Jagunço que se preze leva seu mosquetão à mão e pelos escondidos do mato vai se entrincheirando até chegar o momento certo de apertar o gatilho.

É no tipo de prestação de serviço que reside a grande diferença. Ora, o jagunço não era, necessariamente, alguém que vivia a serviço de um poderoso. Até que poderia viver aos arredores do coronel dando suporte às suas ordens, mas não na sua rotina diária. Quem sempre estava com o poderoso era o capanga.

O jagunço ganhava para matar, para amedrontar, para aterrorizar a vida dos inimigos e desafetos daquele que o pagasse. Através de suas mãos sempre sujas de sangue, os inimigos tombavam nos beirais das estradas, criações eram sangradas, casas incendiadas, e por aí vai. Já o capanga não se expunha tanto, não fazia o serviço mais sujo.

O capanga tinha a serventia de escudo ao chefe, ao poderoso. Como os coronéis - principalmente aqueles sempre odiados ou contando com inimigos - nunca saíam ou viajavam sozinhos, necessário que tivessem sempre ao lado alguém que os protegessem de ameaças e ataques. Um tiro dado era mais fácil atingir o capanga do que o coronel, pois para tal ele era sustentado.

Imaginem a cena: Numa feira interiorana, um senhor vestido de terno de linho branco, chapéu grande na cabeça, charuto fumaçando na boca, caminhando cercado por homens em vigilância. Cena de um coronel rodeado de capangas. Ora, o capanga estava ao lado para proteger, mas também atacar, revidar agressões, matar. Matava, mas não como o jagunço.

O capanga não saía da presença do coronel para ir fazer tocaia ou emboscada, para ficar escondido nos tufos de matos ou atrás de troncos esperando a passagem do inimigo do coronel ou de quem estivesse com a morte encomendada. Quem fazia isso era o jagunço. Era o jagunço que recebia para dar conta da encomenda. Muitas vezes, o restante do pagamento somente quando levasse a orelha do morto.

Capanga era uma espécie de segurança. Jagunço era uma espécie de frio assassino. Capanga possuía serviço diversificado, pois também ajudante-de-ordem do poderoso. Jagunço sempre agindo na surdina, no escondido, tudo fazendo para não ser descoberto. Capanga matando aquele que atacasse o seu patrão. Jagunço matando qualquer um que desejasse o seu patrão ou outro mandante qualquer.

Não era cena comum a jagunçada se esgueirando pelos centros urbanos à espera da passagem de alguém, e para matar. Mas era cena comum avistar a capangagem armada até os dentes e em companhia de seus patrões. Era uma demonstração de poder pessoal, mas também a força das armas se sobrepondo a tudo e todos.

Outras coisas, contudo, não os distingue muito. Nos dois, a exaltação de desmedida violência. Nos dois, o medo e o terror pelos sertões antigos (e também atuais). Em ambos, a sina da desvalia da vida do próximo, de qualquer um que caísse na desgraça da inimizade com o poder. Em ambos, a escrita sangrenta de uma terra ferida de morte pelo coronel, pelo jagunço, pelo capanga.

Então o coronel mandava o capanga chamar o jagunço e dizia: “Vá matar e mate ligeiro. Vou cuspir. E quero a orelha aqui antes de o cuspe secar!”. E de repente, ali a orelha chegava. O restante era dos urubus, dos gaviões, das aves carnicentas.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).

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