Ao mesmo tempo em que o Senado instala a CPI da Covid, que corre o risco de naufragar como um palanque eleitoral antecipado, vereadores de todo o país se mobilizam para investigar o quê seus prefeitos fizeram com o dinheiro recebido do governo federal para o enfrentamento da pandemia. Consta que, ao receber o numerário, muitos administradores teriam desviado parte dele para pagar precatórios, salários e previdência de servidores e outras despesas de competência do orçamento municipal. Enquanto senadores oposicionistas tentam jogar a carga no colo do presidente da República e aliviar a fiscalização sobre o que fizeram governadores e prefeitos com o dinheiro recebido, as Câmaras Municipais se preparam para desvendar a questão em suas cidades. Infelizmente não podemos esperar o mesmo dos deputados estaduais em relação aos governadores, devido à aliança umbilical entre os membros do Executivo e Legislativo estaduais, que inclui nomeações de indicados políticos, emendas parlamentares e outros interesses. O vereador é o agente do povo com mais condição de fiscalizar o emprego da verba pública. É o único que exerce seu mandato em convívio direto com o eleitor, sendo por este fiscalizado, coisa que não ocorre com os deputados (estaduais e federais), senadores, governadores e o próprio presidente da República, cuja atividade se dá nas capitais (e distante do povo). O prefeito, embora atue no próprio município, não é tão disponível. Mas os que aplicaram corretamente a verba da Covid, no próprio interesse, deveriam incentivar seus vereadores a montar a CEI para apurar o emprego do dinheiro. Se agiu corretamente, o resultado será como um atestado de honorabilidade política. Por mais justificativa que um prefeito tenha para pagar compromissos correntes da administração com o dinheiro remetido pela União e destinado a socorrer a população na pandemia, não dá para concordar que enquanto a Prefeitura salda seus débitos negligenciados, o povo morra por falta de estrutura. Cada cidadão que perece sem o devido atendimento é, sem dúvida, vítima da incúria dos administradores públicos inconsequentes e despreocupados com o socorro à população. E isso precisa ser apurado, enquadrado e punido, se tipificado como infração ou crime político-administrativo. Não só o presidente da República, mas também governadores, prefeitos e todos os membros de suas equipes administrativas com poder decisório sobre a aplicação dos recursos recebidos. O Ministério Público e a Polícia Federal já realizaram inúmeras operações em busca de elementos probatórios de desvios nas verbas da Covid. O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, já sofreu impeachment acusado de desvios, no Amazonas existem 17 indiciados por aquisições irregulares (como a compra de respiradores de UTI numa loja de vinhos) e pelo menos outros seis governadores e centenas de prefeitos são investigados e terão de prestar esclarecimentos sobre o que fizeram do dinheiro. Dentro do mesmo raciocínio que justifica a criação da CPI no Senado mirada na atuação do governo federal, deputados estaduais e vereadores têm o dever de verificar o que fizeram governadores e prefeitos. Até porque os administradores estaduais e municipais foram definidos pelo Supremo Tribunal Federal como executores do enfrentamento à crise sanitária nos respectivos territórios. Se desviaram o numerário recebido para a finalidade, não poderão ficar impunes. Mesmo que a CPI do Senado, com seus vícios que poderão inviabilizá-la não passar de palanque e o Legislativo estadual não fiscalizar os governadores, se os municípios levantarem onde foi o dinheiro, do encontro das contas, fatalmente surgirão os furos e serão conhecidos os errantes. Chegou a hora do vereador mostrar seu valor... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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