(Uma história de coronéis)
Só que “Preá” era o apelido dado ao coronel Tibúrcio. Aí foi que foi a gota serena. Dentão, o mais feioso e malvado dos jagunços, ao receber a bala de ouro logo pensou que era coisa de engolir. Só não mastigou porque o coronel Leocádio adentrou na varanda logo dizendo: “Vou cuspir. E antes que o cuspe seque eu quero a orelha do desgraçado jogada no lugar da cusparada. Chispa daqui e vá logo matar Preá”. Noite de lua cheia, pelas matas os sons de estranhos uivos, o jagunço ficava ainda mais zoiúdo tentando avistar a passagem do coronel Tibúrcio, o famoso Preá. Era certeza ele passar por ali, pois de volta da casa de Joaninha Boca de Mel, uma rapariga mantida nas redondezas. Mas naquela noite o coronel não passaria por ali de jeito nenhum. E não faria normalmente aquele caminho porque era exatamente a noite de ele virar lobisomem. Sim, o coronel virava lobisomem. Dentão, o jagunço, esperou e mais esperou e nada de Preá passar. E começou a matutar, já pensando na desgraceira que iria acontecer se não levasse a orelha do inimigo maior do patrão. “Essa hora o cuspe já secou. E se secou o coroné vai querer disforrá em riba deu”. Sentiu a orelha queimando, passou a mão, e era como se a sentisse sendo arrancada a canivete. “Danou-se. O coroné vai querê cortá minha oreia, mais isso num vai não”. Disse a si mesmo, já revirando de raiva por dentro. Como o dia já clareava, resolveu voltar e enfrentar o que viesse pela frente. Antes de sair do meio do tufo de mato, apontou a arma a um lugar qualquer e apertou o gatilho, só não pra não perder de vez a viagem. Mas a bala viajou até acertar bem na testa de um homem que acabava de desvirar lobisomem. Era o coronel Tibúrcio. O jagunço matou Preá sem saber que assim tinha feito. Sem sequer imaginar que o inimigo do patrão acabava de virar finado, e assim minimizar seu problema com o cuspe já seco, assim que adentrou a porteira logo avistou o coronel Leocádio virado na peste, raivoso que só a moléstia, em tempo de estrebuchar de tanta raivice. E gritando: “Trouxe a orelha do safado?”. Então o jagunço simplesmente respondeu: “Truxe”. E apontou outra arma em sua direção e apertou o gatilho. Assim que abriu a boca pelo espanto do tiro recebido, o coronel engoliu o charuto aceso e emborcou pelo chão fumaçando, e bem em cima da marca da cusparada. Depois disso, o jagunço fez de conta que nada tinha acontecido e saiu assoviando. Não sabia, contudo, que havia matado dois coronéis numa empreitada só, e terminado, assim, uma das faces mais perversas do coronelismo nordestino. Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).
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