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Opinião
25/06/2021 - 05h48
A luz foi apagada por nós
Dartagnan da Silva Zanela
 

O grande historiador Thomas Carlyle nos ensina que as ideias e ideais movem o mundo, sempre, tanto para o bem, como para o mal. Ideais e ideias são os faróis que nos guiam por esse mundo e que nos ajudam, dentro de seus limites, e de nossas limitações, a realizarmos aquilo que nos parece ser a coisa mais do que certa a ser feita.

Sim, eu sei que uma pessoa que se considera tremendamente prática, de mãos dadas com um indivíduo que se orienta a partir de preceitos eminentemente materialistas, irão dizer para si mesmos, virando os zoinhos, que isso seria apenas uma bobagem sem pé nem cabeça, porém, tanto um quanto o outro, estão dizendo isso a partir de uma concepção de ideias [falsas] sobre a realidade que, por sua deixa, remete seus olhares para a realização de uma determinada ideologia [e, uma ideologia, é um anti ideal].

Sobre isso, há uma passagem do livro “Hereges” de G. K. Chesterton, que, penso eu, pode nos ajudar pra caramba para compreendermos o tamanho da encrenca que uma mentalidade prática e materialista pode nos meter.

Diz-nos Chesterton que, numa certa cidadela, havia um certo poste, numa certa rua e, nessa certa comunidade, estavam pretendendo derrubar o dito cujo do postinho. Em meio a esse furdunço, eis que apareceu um monge, de hábito cinza, que tomou a palavra e disse, de forma escolástica, à toda aquela multidão ciosa para colocar a baixo o tal poste, o seguinte: “consideremos primeiro, meus irmãos, o valor da luz. Se a luz for mesmo boa...”.

Não preciso nem dizer, mas, como sou teimoso feito uma mula, o farei: a multidão mais do que depressa calou o velho monge e colocou abaixo o tal postinho de iluminação. Foi rapidinho. Não levou nem dez minutos. Foi um regozijo só. Todos comemoravam a retirada daquele objeto de feições barrocas da frente de suas ventas.

Porém, porque sempre há pelo menos um “porém” em todo causo, com o passar do tempo as coisas que até então funcionavam razoavelmente bem, passaram a apresentar algumas dificuldades que, até então, não haviam sido cogitadas por nenhuma daquelas almas.

Não havia passado pela cumbuca da multidão que alguns queriam colocar o elegante postinho no chão porque queriam o seu ferro; e que outros desejam tomar posse da energia elétrica que ele consumia; que haviam alguns que ansiavam pelas trevas, pela escuridão, porque seus corações eram maus e queriam praticar o mal.

Ninguém até então havia matutado sobre o fato de que alguns não se importavam com o poste e que, outros, se interessavam muito por ele, porém, sempre com incontáveis segundas intenções.

As pessoas, imersas na volúpia da massa, não pararam para considerar que alguns estavam interessados em depredar a cidadela, e que outros desejavam apenas destruir alguma coisa, pouco importando o que fosse.

Agora, sem o poste, e com o caos tomando conta da vida dos cidadãos da já não mais pacata cidadezinha, lhes ocorreu que o tal monge, com seu hábito cinzento, surrado pelo tempo, tinha razão e que, de fato, eles deveriam, antes de qualquer coisa, ter considerado primeiro o valor da luz.

Pois é. Aí, concluí Chesterton, que tudo aquilo que eles poderiam ter refletido e matutado sobre a luz sob à luz do poste, eles teriam que fazê-lo, agora, tateando no escuro.

Hoje, mais do que nunca, vemos que o sistema de educação - o nosso poste de iluminação - está em frangalhos e, é claro, que isso não é obra do último ano e meio. Nada disso, cara pálida. Essa tragédia é uma obra de décadas que foi sendo construída por inúmeras pessoas, muitas delas pessoas comuns como eu e você, que se deixaram guiar por ideias equivocadas sobre a luz que, nesse caso, é a educação.

Ora, lembremos quantas e quantas vezes ouvimos e lemos aqui e acolá que, por exemplo, reprovação seria um inenarrável retrocesso? Quantas e quantas vezes ouvimos e lemos que o ato de reprovar é um ato cruel e desumano de exclusão social? Muitas. E não é de hoje. Isso foi a muito e por muito tempo ensinado pelo patrono da educação brasileira, Paulo Freire, e continua sendo replicado pelos quatro ventos pelos seus discípulos, seguidores, admiradores e simpatizantes e, fazem isso, sem parar para fazer as necessárias considerações sobre as reais consequências de suas ideias, ideologicamente deformadas, que gradativamente laboraram para derrubar o poste da educação, apagar a luz do ensino, e substituí-lo por algo mais “criticamente crítico” e, ao mesmo tempo, desprovido da capacidade de alumiar.

Bem, tal qual os moradores da cidadela fictícia de Chesterton, cá estamos nós, hoje, tendo de discutir no escuro, as consequências das ideias, ideais e ideologias que nos deixaram no escuro.

E, francamente, um passarinho me disse que continuaremos imersos nas trevas por muito tempo, porque nos recusamos a reconhecer a fonte dos equívocos que contribuíram severamente para a reprovação inconteste do sistema de educação de nosso triste país. E nos recusamos porque, o patrono barbudinho, enquanto a fonte primeira dessas ideias equivocadas, tem um lugarzinho todo especial em nosso coração, tamanho é o nosso afeto pelo erro que não pode ser corrigido sem que nos corrijamos primeiro.

E não nos esqueçamos que burocratas vem e vão junto com os ventos eleitoreiros de ocasião; agora, ideias e ideais errôneos saem apenas de nossa alma com muita água e sabão, na forma de exame de consciência, e com um bom esfregão de muitas reflexões. Reflexões as quais nós precisaríamos estar dispostos a fazer e, ao que tudo indica, não estamos não.


Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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