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Crônicas
24/03/2006 - 17h04
Cor de burro quando foge
Helena Sut - Agência Carta Maior
 

Ele vinha de cabeça baixa, tinha a respiração impregnada de muito cansaço. Os olhos tinham a certeza do caminho, sempre o perseguiam com cuidado - o mais importante é ter o dia-a-dia sob um olhar atento. As orelhas caídas já demonstravam que estava conformado - seu medo ou raiva havia se esvaído ao vento junto à poeira - seus sentimentos estavam encardidos. Sua cor...?

Cruzava com ele alguns julgamentos. Talvez tivesse sido condenado... O que fazer quando nada do que foi permanece? Como remontar o início se estamos tão marcados de meio? Ele caminhava ainda ereto, o corpo continuava firme, apesar de tão desabalada corrida.

A pequena Letícia observava tudo com olhos inocente. Sentia admiração por tão inusitada visão e pena:

- Tadinho, tão cansado! Posso ser amiga dele?

A mãe calada segurava com cautela a mão de Letícia. Algumas vezes, utilizava-se do silêncio para responder aos absurdos da filha.

"Criança criada com muita liberdade dá nisso, sua criatividade perde o limite."

Letícia continuava a falar o que achava de seu novo amigo. Queria ter um contato, descobrir como vivem os desiguais, mas a mãe permaneceu calada... Tinha certeza de que tudo na criança passa - passa a própria criança e quando tentamos achá-la é tarde, nunca mais a reconhecemos.

Percebi como é cruel deixar a criança crescer inocente, deixar a criança convicta em sua pureza e ainda silenciar... Em algum momento a verdade deveria ser dita e a desigualdade, ainda vista em uma perspectiva lúdica, realizada de uma forma concreta.

A mãe olhava tudo com os olhos de mesmices, cinzas de sombras. Tudo tão representado... A filha continuava falando, pedia, perguntava, misturava tudo nos contos de fadas - uma vez leram uma história que havia um personagem igual que falava e que era bonzinho. Ele continuava vindo, com os passos firmes, orelhas e olhos abaixados e postura ainda ereta - permanecia preenchido de vida.

Repentinamente, ele parou. Ficou ali em exposição para todos. A criança cansou de sua curiosidade, começou a observar as formigas enfileiradas que entravam no formigueiro...

- Como podem viver embaixo da terra? Também tem aquela história...

Inquietações de crianças se exteriorizam enquanto as dos adultos se perdem na incerteza de como podemos viver em nós. Não tem história com nosso personagem.

A mãe de Letícia, visivelmente incomodada, passa as mãos pela roupa, tentando tirar o pó. Está entediada com a visão, não consegue se entreter com outro acontecimento e está cansada demais para descansar em si.

- Pobre burro. Que vida sem sentido!

Ele vai com a cabeça baixa. A respiração, mais compassada, ainda tem vestígios de cansaço. Os olhos acompanham o chão trilhado de idas e vindas - é vital saber retornar a origem. Pacatos passos. Sua cor se perde na poeira do entardecer. Quando for noite, ninguém o verá no caminho.

Letícia cansa de suas formigas...

- Onde ele está, mãe? Já foi embora...

A mãe descansada agora pode responder:

- Já foi filha. Olha! (apontando para longe, onde se perde a silhueta ereta).

Ele caminha, sua fuga foi entregar-se à rotina para passar o tempo. Ir e vir sem esperar. Fugir...

Letícia acena um adeus. Despedidas infantis...

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