A Câmara de Deputados, contrariando seu próprio Conselho de Ética, acaba de absolver dois deputados corruptos. Todavia, só um observador desatento ou desinformado do que se passa há anos na política nacional poderá surpreender-se que o PMDB, o PSDB e o PFL estejam fornecendo condimentos para a enorme "pizza" em que Lula, o PT e seus aliados querem transformar os resultados das CPI em andamento no Congresso. Os nossos partidos e os políticos que os integram - com as honrosas exceções - em matéria de benevolência ou cumplicidade com a corrupção, desgraçadamente, são vinhos da mesma pipa. Basta que busquemos no velho surrão da desmemória nacional exemplos já esquecidos. Acusação que se pode fazer a todos os partidos, a começar pelo PMDB, paradigma da falta de espírito público da classe política, um partido apegado às benesses do Poder. Fracassado nos desafios construtivos de bem governar, tem buscado no oportunismo político seu sucesso eleitoral. Nascido MDB, no bipartidarismo ensaiado pelo regime implantado com a derrubada do Sr. João Goulart, cresceu como uma grande frente para onde convergiram todas as correntes que combatiam o regime autoritário. Sendo a maior agremiação resultante da reorganização partidária decorrente da abertura política, o já então PMDB começaria a exibir as contradições internas oriundas do largo espectro ideológico de sua origem. Na sucessão de Figueiredo renega sua pregação por eleições diretas e alia-se a uma das alas mais corrompidas do oficialismo - de onde surgiria o PFL -, no casamento de conveniência que daria a vitória a Tancredo Neves, num Colégio Eleitoral, até então considerado espúrio e anti-democrático. Sustentáculo da chamada Nova República, torna-se cúmplice e beneficiário do estelionato eleitoral do Plano Cruzado e das trapalhadas de seu refém político, o Sr. José Sarney. Comanda um novo "conto-do-vigário" político passado à Nação, com a famigerada Constituição-panacéia, obra-prima de nossos vanguardeiros do revanchismo e do retrocesso. Por isso, amarga nas urnas a acachapante derrota de seu candidato presidencial e vê escapar de suas mãos a maioria dos governos estaduais que conquistara com o Plano Cruzado. Não obstante, valendo-se da poderosa máquina eleitoral que construíra ao longo dos anos, particularmente no interior, e dos erros e das contradições do governo Collor, consegue, nas eleições parlamentares de 1990, formar a mais numerosa bancada do Congresso. Já sem a dissidência que criaria o PSDB, torna-se o principal instrumento do golpe branco com o qual o Congresso derrubou o fracassado caçador de marajás, em nome da ética na política, uma virtude escassa em seu próprio presidente de então - o controvertido Orestes Quércia - e entre muitos dos congressistas que declararam impedido o Presidente da República, como ficaria comprovado na CPI dos Anões do Orçamento. Continua ainda hoje sem uma liderança efetiva e aglutinadora. Apesar de todos os disfarces, o PSDB é a cara do falecido ministro Sérgio Motta. Trata-se de uma figura cuja biografia foi resumida em um artigo do jornal "O Estado de São Paulo", por ocasião de seu falecimento. No que ali foi escrito está a chave para decifrar certos mistérios que envolveram as atividades do combativo amigo de FHC e certos "esqueletos" tucanos enfiados nos armários do silêncio pela máquina do seu governo e que agora ressurgem. Aluno de Engenharia Industrial da PUC/SP, na década de 60, o jovem Sérgio teve saliente participação no Movimento Estudantil, sendo um dos fundadores da Ação Popular (AP) e um dos cabos eleitorais que levaram José Serra à presidência da UNE. Serjão era o lado prático da AP e seu Secretário-Geral. Em 1968, quando a direção da AP estava presa, no exílio ou na clandestinidade, Serjão assumiu informalmente o comando e dispôs-se a prestar socorro aos seus amigos militantes. No começo de 1970, era um dos sócios da Hidro-Brasileira, empresa de projetos de engenharia, de grande sucesso e cujos lucros permitiram a Sérgio Motta ajudar financeiramente a destroçada e desunida esquerda brasileira sem que os agentes do DOPS ou os "arapongas" do SNI o incomodassem, um dos mistérios da trajetória de Serjão. Entre os beneficiados por sua benemerência estava Paulo de Tarso Venceslau, um dos seqüestradores do embaixador americano Elbrick, expulso do PT por ter denunciado patifarias de prefeitos do Partido em beneficio de Lula. Financiou durante seis anos o jornal Movimento e o Centro Brasileiro de Pesquisas (Cebrape), pontos de partida de seu estreito relacionamento com Fernando Henrique Cardoso, intimamente ligado a esses empreendimentos. Começa aí o seu ostensivo envolvimento na política, como coordenador e tesoureiro de várias campanhas do PMDB e do PSDB, ao mesmo tempo em que sua empresa participava ativamente de obras públicas no Estado de São Paulo, no governo Fleury, tais como: Metrô de São Paulo, Rodovia dos Trabalhadores, Rodovia Castello Branco, despoluição do rio Tietê etc. Mas esse hábil manipulador de homens e dinheiros ainda teria em seu currículo um feito mais sugestivo e intrigante. No governo João Figueiredo conseguiu convencer os tecno-burocratas da "ditadura", já então agonizante, a organizarem uma estatal para produzir álcool de madeira com tecnologia soviética. Tornou-se presidente da Coque e Álcool de Madeira Ltda (Coalbra), fechada anos depois com um prejuízo de oito milhões e meio de dólares, repassados para o Tesouro Nacional. Nessa mesma época, sua empresa - a Hidro-Brasileira - regiamente paga, abiscoitou um projeto de consultoria para avaliar um vultoso investimento envolvendo a Capemi, no malfadado aproveitamento da madeira do lago da hidroelétrica de Tucuruí. Na Coalba, gozando dos ares da abertura e da anistia, cercava-se de velhos quadros da esquerda. Apesar disso, anos depois, ao ser indicado para a vice-presidência da Eletropaulo no governo Montoro, seu nome suscitou resistências dos que desconfiavam de suas ligações com a "ditadura". Mas, com o aval de seu amigo José Serra, teve seu nome homologado. Nesse cargo, foi o coordenador e o tesoureiro da campanha de FHC à Prefeitura de São Paulo, funções que, daí em diante, passou a exercer em todas as campanhas de seu amigo e sócio na hoje célebre fazenda de Buritis. Por aí, percebe-se que Serjão era o "PC de FHC". Do PT, nem se precisa falar. Os fatos são muito recentes. Nota do Editor: Raymundo Negrão Torres é Gen de Divisão Ref do Exército Brasileiro, foi instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército; exerceu, como oficial superior, quase todas as funções de Estado-Maior, especialmente as ligadas às áreas de Informações e Operações. Dentre suas obras destaca-se "O fascínio dos ’Anos de Chumbo’", publicado em 2004.
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