A revista Época do dia 4 de março de 2002 foi histórica. A capa daquela edição mudou os rumos da sucessão presidencial, ao revelar que oito agentes da Polícia Federal e dois delegados haviam entrado num escritório em São Luís e encontrado R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo. A foto da pilha de dinheiro logo foi exibida no Jornal Nacional e, no dia seguinte, ganhou a manchete de várias publicações. Era auto-explicativa. Graças a essa imagem, Roseana Sarney, que despontava como favorita, foi excluída da disputa. Dias depois, descobriu-se que os agentes envolvidos na operação haviam repassado informações sobre o caso ao ministro Aloysio Nunes Ferreira, então responsável pela pasta da Justiça, a quem a Polícia Federal está subordinada. Tal episódio ficou conhecido como o "caso Lunus", numa referência ao nome da empresa de Jorge Murad, marido de Roseana, onde foi encontrado o dinheiro em espécie. Era o ovo da serpente. Depois de muitos anos dedicada a operações de combate ao narcotráfico e ao contrabando, a Polícia Federal entrava num novo estágio, passando a atuar diretamente num embate de natureza político-eleitoral. Depois daquele exemplo, tudo o mais seria permitido. O episódio Lunus acabou influenciando diretamente no meu voto. Foi graças a essa ação da Polícia Federal que eu acabei desistindo de votar no candidato José Serra nas eleições de 2002. Embora o considerasse o nome mais indicado para gerir a economia brasileira, eu também temia que Serra usasse o aparelho de Estado para esmagar seus adversários políticos - da mesma forma como eu imaginava que ele havia feito com Roseana. No entanto, para o meu desgosto, foi no governo Lula, o candidato "paz e amor", que essa tendência de uso da força do Estado em favor de interesses políticos ou privados se tornou ainda mais aguda. O arbítrio da semana passada, ocorrido com o caseiro Francenildo Costa, foi apenas a conseqüência natural dessa sinistra parceria entre repórteres investigativos e fontes do aparato de repressão federal. É um círculo vicioso. Como as matérias que nascem dessa união geralmente rendem glórias, honrarias e prêmios, nós, jornalistas, muitas vezes não nos damos conta de que estamos apenas sendo instrumentalizados pelos poderosos de plantão. Não quero aqui julgar os jornalistas da Época envolvidos no caso Francenildo. São profissionais sérios e respeitados no meio. Também não concordo com a análise apressada de alguns colegas, que atribuem somente ao PT os vícios do nosso "Estado policial". Afinal, com o caso Lunus, o PSDB também sujou as suas mãos. E a visão de que governar é "ter a chave do cofre e a chave da cadeia" é algo que faz parte da nossa tradição política há várias décadas. A questão é que, agora, já não é mais possível adiar uma reflexão sobre esse casamento de interesses entre jornalistas e agentes da repressão, cujo saldo tem sido negativo para o País e para as instituições. Eu mesmo fui vítima disso. Depois de entrevistar a secretária Fernanda Karina, que deu o foco à CPMI dos Correios, fui alvo de uma campanha difamatória que tentou difundir que a entrevista havia sido negociada com um empresário. Na época, a revista Carta Capital publicou emails falsos entre ATT (que diziam ser Attuch) e DD (que diziam ser Daniel Dantas) numa tentativa frustrada de emplacar a tese de que havia uma conspiração por trás da entrevista da secretária. Meses depois, um repórter do Jornal do Brasil me procurou, dizendo que tinha mais emails e que vinha sendo pressionado a publicá-los pela direção da empresa porque as fontes eram oficiais. Eu lhe mandei uma carta do portal Terra, atestando a fraude, e ele teve a postura digna e correta de não embarcar numa canoa furada. Já ficou claro para todos que, na era Lula, não se admite que homens honrados ataquem o governo. Se assim o fazem, devem estar movidos por interesses inconfessáveis. Um ano atrás, eu fui alvo de uma tentativa de desconstrução de imagem, com a colaboração de parte da imprensa. Em vez de repórter investigativo, eu passaria a ser um "repórter investigado", ainda que não estivesse citado como réu em qualquer processo e que as evidências do crime fossem apenas documentos fraudados. Agora, foi a vez do caseiro Francenildo Costa. Nitidamente, o governo tentou transformá-lo de acusador em acusado - e desta vez contou com um empurrão de profissionais sérios da revista Época. Será que já não fomos longe demais? Nota do Editor: Leonardo Attuch é editor de economia da Istoé Dinheiro e autor do livro "A CPI que abalou o Brasil".
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