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Opinião
26/03/2006 - 12h44
Grandes profissionais!
João Nemo - MSM
 

O lendário Houdini, espetaculoso mágico americano, na verdade nascido na Hungria, de onde migrou aos 4 anos de idade, mexeu com a imaginação do seu tempo e continua uma referência obrigatória para todos os apreciadores dessa arte até os dias de hoje. O grande fascínio que exerceu e ainda exerce, não está tanto ligado aos truques mais convencionais da sua profissão, mas à sensacional habilidade que tinha para empreender fugas fantásticas, supostamente impossíveis, escapando de lugares e dispositivos aparentemente invioláveis. É claro que se tratava de truques, mas eram surpreendentes, incríveis e somente possíveis graças a habilidades incomuns cuidadosamente desenvolvidas. Acabava merecendo, com todas as letras, o título de mágico.

A mesma admiração, embora misturada com preocupação e repugnância, me causam as escapadas dessa gente do partido do governo. Quando parece impossível fugir à luz dos fatos, eles tiram um descarado coelho da cartola. É verdade que sempre contam com o desejo consciente ou inconsciente de muitos de se deixarem iludir, mas mesmo assim não se pode menosprezar a performance. Há bons motivos, porém, para que a minha admiração, como disse, venha acompanhada de preocupação e repugnância.

A semana que passou nos ofereceu um espetáculo triste de como é possível manejar a superfície dos fatos para ocultar a dolorosa realidade que vivemos. Escancarou, para quem queira enxergar, até que ponto o nosso aparelho burocrático e, pior, jurídico já está comprometido com o projeto de poder em andamento. O Supremo Tribunal Federal em poucos dias garantiu, por duas vezes, que um depoimento pondo em causa a idoneidade de um ministro fosse colhido no Congresso. Vejam: não no bar da esquina, mas no Congresso. Vem, também, garantindo a inviolabilidade das informações bancárias de homens próximos ao Presidente, particularmente daquele senhor de sobrenome nipônico, extremamente generoso, que se dispõe a pagar as contas do clã presidencial. Procurou, ainda, impedir uma convenção partidária através de medida liminar. Enfim, trata-se de uma chuva de respostas rápidas, todas apoiadas em elegantes razões jurídicas, é claro, que ajudam a sepultar fatos vitais para a compreensão das desgraças que nos atingem.

No caso do depoimento interrompido do caseiro, que docemente acreditava estar entrando em um programa de proteção à testemunha, destaquem-se duas curiosidades. A primeira foi o pedido feito por iniciativa de um senador petista que posava de equilibrado e não conivente com as falcatruas do governo. Ora, desde o meu já longínquo tempo de estudante, conheço essa jogada da dita esquerda de ter sempre uns interlocutores “bonzinhos” para fazer ponte com os trouxas. Há outros no Congresso. A segunda curiosidade, essa cômica, é o Ministro da Justiça dizendo que o vazamento de dados bancários do caseiro e sua publicação, visando desacreditá-lo, foi uma transgressão inaceitável e vai providenciar rigorosa investigação a respeito. Nem tudo, então, está perdido, mas o caseiro que se cuide.

Mas, entre todas as façanhas do período, aquela a que gostaria de dedicar minha mais profunda admiração, pelo misto de surrealismo e estupidez, foi a sessão de depoimento do publicitário Duda Mendonça na CPI. É com algum constrangimento que confesso, temendo passar por desocupado, que fiquei durante um longo período hipnotizado olhando a tela enquanto os parlamentares se sucediam fazendo perguntas inúteis ao suposto mago das eleições. Como é sabido ele, também, compareceu munido de uma licença judicial para mentir e omitir o que bem entendesse. As razões da concessão são nobres e repousam nos mais sagrados ditames do direito: ninguém é obrigado a fornecer dados que o incriminem. É permitido falsear a verdade e retocá-la quantas vezes quiser, é permitido ludibriar, burlar e, na prática, obstaculizar a justiça por todos os meios, mas não nos é dado exigir que alguém, possuidor de informações vitais para o cumprimento da lei, as forneça. Pelo menos é assim que vemos as coisas, nós, pobres mortais, não iniciados nos sagrados rituais do direito brasileiro.

Para quem não assistiu, foi algo mais ou menos do tipo:

- Quantos anos o senhor tem?

- Desculpe senador, mas não vou responder.

- Qual a sua altura?

- Desculpe senador, nada pessoal, mas não vou responder.

Esta caricatura é para dar uma idéia do grau de irrelevância a que chegaram algumas perguntas e mesmo a essas o depoente, às vezes um pouco sem graça, simplesmente declarava que não ia responder. Não há exagero. Havia, no princípio, perguntas sobre as questões investigadas, havia perguntas colaterais e também perguntas totalmente vazias para as quais a resposta era sempre, rigorosamente sempre, a mesma. Por umas poucas vezes, o mago baiano, a contragosto disse que estava agindo assim porque era um compromisso assumido com o seu advogado. Lá estavam dois deles: um sênior e um junior, mal contendo o ar de satisfação com que contemplavam um batalhão de parlamentares impotentes e na sua maioria aparvalhados.

O que o senhor Duda, tão esperto, parece não ter percebido, é que a postura preconizada pela sua defesa pouco tinha a ver com preocupação de não incriminá-lo. Tinha tudo a ver com proteção ao governo e ao seu partido. Não se podia correr o risco, como no primeiro depoimento, de que no desejo de esclarecer o “seu” lado das coisas, ele fornecesse qualquer informação útil ao entendimento do esquema montado, cuidadosamente maquiado pelo criminalista do governo como um simples caixa dois. Se Duda tivesse muita culpa no cartório, não teria sido tão cândido no primeiro depoimento. Na verdade, foi agora tratado como um incapaz pelos advogados: alguém que nem mesmo bem orientado mereceria confiança e saberia distinguir o que podia e o que não podia dizer. Melhor não dizer absolutamente nada, nem o número do seu sapato, por via das dúvidas. Deixar bem claro que se os parlamentares querem brincar de Sherlock que brinquem sozinhos.

As últimas observações que faço, com não menos tristeza, dizem respeito a um refrão repetido por muitos dos parlamentares lá presentes. Uma série deles entremearam nas suas falas, junto às lamúrias pela atitude adotada, elogios rasgados à qualidade profissional do depoente e mais rasgados ainda à excelência dos advogados que o assessoravam. Queixavam-se do silêncio, mas acrescentavam que ele estava ladeado por magníficos profissionais chegando, às vezes, a dizer que, fossem eles os advogados, também orientariam da mesma forma. Fiquei esperando, atento, o instante em que os botões do paletó do advogado sênior saltariam no ar arremessados pelo inchaço fruto dos elogios, enquanto ele ostentava um sorrisinho sádico. O jovem também sorria imponente.

Gostaria, então, de dizer que segundo meus humildes critérios, nem o senhor Duda Mendonça é um bom profissional, nem os seus advogados. Na verdade são péssimos e por razões equivalentes. Os meus instintos me sugerem que o senhor Duda deve até ser uma figura humana interessante para quem prive da sua amizade, coisa, aliás, muito comum nos baianos pela afabilidade e generosidade que lhes é natural. Isto é um chute, é claro, mas até traços de mau gosto como as tais rinhas de galos parecem compensadas pela capacidade de apreciar bons vinhos. É, com certeza, possuidor de grande talento, mas vejamos a que se tem destinado o seu talento, de que forma tem sido utilizado e com que resultados. Esses dotes, como sabemos, foram aplicados para vender verdadeiras fraudes ao eleitor brasileiro. Os dois exemplos mais notórios foram a sobrevida alcançada para um evidente demagogo como Maluf em São Paulo e, finalmente, a criação do tal Lulinha Paz e Amor. Mentiras deslavadas de um mesmo publicitário a serviço de figuras aparentemente antagônicas, para enganar um povo tão carente de opções políticas sérias e responsáveis. Para isso serve o talento do senhor Duda embora, é certo, não se possa responsabilizá-lo isoladamente pelas conseqüências. Em outras palavras, eu não compraria dele um carro usado. Quem vende geladeira para esquimó não é um grande vendedor, é um vigarista, mesmo que não se dê conta disso.

Em certo sentido, ainda mais grave é a idéia tortuosa que se propaga do que venha a ser um bom advogado. A idéia de que obstruir deliberadamente o acesso à verdade seja apanágio de bom profissional não parece razoável. Para os defensores do vale tudo como meio de bem servir ao cliente, aquele que por manobras geniais houvesse logrado, por exemplo, evitar a condenação de um assassino em série mereceria calorosos aplausos pela sua excelência. Quem alcance deixar impune uma malta de traficantes deve receber louros e louvores. Deixados os exageros de lado, o que os advogados do senhor Duda Mendonça fizeram, com o beneplácito de um zeloso juiz do Supremo e a título de supostamente protegê-lo de si mesmo, já que os parlamentares o tratam com tanta deferência, foi impedir que a população brasileira pudesse ter, quem sabe, um pouquinho mais de luz para entender o esbulho a que tem sido submetida pelo governo e seu partido.

Assim como não é possível um bom médico apaixonado pelos tumores, pelas convulsões e pelas hemorragias, também não deveríamos aplaudir serviços advocatícios devotados aos truques, chicanas e farsas convincentes. São as moléstias do sistema processual. O bom médico deve sentir-se inimigo da doença e solidário ao paciente; o bom advogado adversário da burla e da obstrução da justiça.

Antes que eu me esqueça: para quem pensa que Houdini morreu, como reza a lenda, na tentativa de realizar uma fuga impossível na “Water Torture Cell”, a verdade é que ele veio a falecer de peritonite por uma apendicite perfurada. Como há governos que convivem sem dificuldades com gangrenas e coisas assim, resta a esperança de que o que hoje nos assola acabe tropeçando no seu excesso de esperteza e fracasse em algumas das suas performances mais ousadas. Quem sabe?


Nota do Editor: João de Oliveira Nemo é sociólogo e consultor de empresas em desenvolvimento gerencial.

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