O artigo intitulava-se “A morte é conselheira”, e tratava de algumas variações sobre o tema específico da morte para uma série de reflexões sobre a vida e suas evoluções. O editor do jornal fez uma escolha adequada: publicou o texto integral, porém mudou o título (eu o havia emprestado de um capítulo do livro “Viagem a Ixtlan”, de Carlos Castañeda). Convenhamos, a publicação de um título desses, na segunda página de um jornal familiar, poderia causar mal-estar. Não se fale da morte, portanto, embora ela esteja viva e presente em quase todas as conversas entre pessoas com mais de quarenta anos, em todos os filmes americanos, em todos os noticiários e em todos os discursos dos pastores de plantão. Mas ninguém mais dialoga sobre a morte, a não ser os médicos quando apresentam em shows de TV suas técnicas para combatê-la. Ninguém parece interessado em conversar sobre o “milagre da morte”, como o chamavam os personagens do filme “A estranha família de Antonia”. Também tenho notado que mais ninguém escreve sobre as drogas. Note, elas batem ponto em quase todos os noticiários. Comenta-se a apreensão de tantos quilos, tantas toneladas. Mas nunca se vê uma reflexão saudável, inteligente e frutífera sobre a maconha, o ácido e a cocaína, ou o crack, a heroína e o êxtasy. Que eu saiba, todas as ações policiais e governamentais jamais resultaram numa notícia positiva sobre o assunto. Apesar de todas as fantásticas e heróicas apreensões e prisões, quem quer droga no Brasil e no mundo, tem droga. E não adianta dizer que vão acabar com o tráfico, quando sabemos que o tráfico tem braços no Legislativo. O caminho é outro, como sempre, o caminho do confronto dialógico, mas ninguém quer conduzir este fardo. Demonizou-se a droga ao extremo, a ponto de não podermos sequer beliscar o tema. Se você disser que um dia fumou maconha e que através dela descobriu o relativismo temporal, acabou de enterrar sua carreira política, por isso não diga nada. Se disser que tem amigos que cozinharam a cabeça cheirando cocaína, vão desconfiar que você está falando isso porque o seu cérebro também virou omelete. Ainda assim, eu gostaria de dizer àqueles que trabalham com usuários de drogas: “Se quer saber sobre o feijão, leia bastante sobre o feijão, mas depois vá lá e plante, regue, colha, debulhe, cozinhe e coma o feijão”. Se tentar saber sobre o feijão apenas lendo e fazendo tese de doutorado sobre o feijão, tudo bem, você será capaz de impressionar seus colegas acadêmicos. Mas não venha me dizer que sabe algo sobre o feijão. Querer entender, ou tratar de pessoas com problemas de dependência química sem jamais ter experimentado pelo menos um desses produtos para ver como é “alterar o fluxo normal do pensamento”, é a mesma coisa que falar de feijoada sem nunca ter visto o seu principal ingrediente. A droga carrega o usuário a um outro nível de linguagem, e tentar convencê-lo de que ele está errado usando o código cotidiano, ou pior, o código acadêmico, é tão estúpido quanto inútil. Quem pretenda resgatar essas pessoas, precisa antes de tudo aprender como funciona esse outro idioma. Eu não tenho a receita para salvar os fregueses do tráfico, talvez alguns médicos e psicólogos a tenham, mas não é disso que trata este texto. O que eu estou querendo dizer é que há um vazio, um buraco negro no setor de comunicação, que impede a passagem, ou a exposição dessas informações. Com o sexo ocorre algo semelhante. Apesar dos corpos à mostra, da imensidão de seios, bundas e outras maravilhas que podemos encontrar num simples abrir de janelas, nossos tabus crescem mais do que repolhos. Preocupada com o inevitável pendor humano a extremar-se nesse campo onde se mistura o prazer, a dor, o desespero e até a morte, a sociedade organizada legou às escolas a responsabilidade de explicar aos jovens “como funciona”, naquelas tediosas aulas de educação sexual — as quais, se não me engano, foram coerentemente devolvidas à gaveta de projetos na primeira oportunidade. Quando voltaremos a sentir o prazer de misturar o sexo à música, à poesia, ao encantamento, à magia? Quando os nossos cronistas tornarão a nos revelar, não em “textos eróticos”, mas em depoimentos criativos, as novas linguagens do corpo? Quando o Ministério da Educação vai promover um concurso para publicação de obras literárias que falem de drogas, sexo e morte aos nossos jovens em idade escolar, antes que o traficante, o pornógrafo e o pastor exorcista o façam? Tudo errado, tudo feito às pressas, no intuito de mostrar trabalho, mas jamais com o compromisso real de resolver as coisas. As grandes vítimas, como sempre, são os mais fracos: os jovens. E mais recentemente, as crianças, que também sentem o bombardeio. Não conversamos de verdade com eles. Perdemos o contato, simplesmente. O tecido social torna-se cada vez mais amarrado nos velhos dogmas, mostrando rupturas aparentes para satisfazer os mais inquietos, mas tramando nas profundezas contra qualquer manifestação de luminosidade fora dos arquétipos do mercado.
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