Aos nove anos ele fez a primeira peneira em um grande clube, seu clube de coração, na zona sul da cidade. Achou que foi bem, fez dois gols e deu o passe para mais dois. Ao sair, viu o responsável conversando com um homem alto, de óculos e com uma capanga embaixo do braço. Apontavam para ele e o homem com a capanga sorria. Minutos depois, o mesmo homem veio até o menino e perguntou se ele tinha empresário. O menino nem sabia o que era isso, e disse que não. O homem disse que, se ele quisesse entrar no time, tinha que ter um empresário. Apontou um menino que tinha ido mal, feito até um gol contra, e disse que ele tinha empresário e que já estava dentro do time. O menino não entendeu muito bem, mas disse que não tinha mesmo. O homem se ofereceu para ser seu empresário e pediu o seu endereço, para que ele falasse com o seu pai ou a sua mãe. Com medo, ele não deu, e disse que ia esperar o responsável dizer quem eram os selecionados. Dez minutos depois, o menino já estava a caminho de casa. Não havia sido selecionado. O que fez o gol contra, por sua vez, comemorava a vaga no time. Mais tarde, após algumas peneiras e sempre jogando bem, ele acabou entrando no clube. Já com idade de juvenil, viu diversas vezes um homem parecido com o que queria ser seu empresário conversando com o técnico. Não era o mesmo, mas agia da mesma forma. Sempre o jogador que chegava com ele de carro era escalado entre os titulares, e o treinador sempre saía do carro do homem com um pacote de papel pardo bem estufado. No começo ele achava que era alguma encomenda, mas depois entendeu o que era. Coincidência ou não, o treinador trocou o seu fusca por um carro importado. Mais tarde, entre os profissionais, o agora adulto já estava acostumado a ver jornalistas conversando com outros jogadores e, após algum tempo de papo, eles assinavam um papel. Nunca ninguém falava sobre isso, mas ele percebeu, com o tempo, que os radialistas e jornalistas que ficavam com o papel assinado pelo colega sempre exaltavam as suas jogadas, por mais medíocres que fossem. Ele estranhava aquela empolgação toda com uma jogada comum. Mas entendeu o que acontecia quando aqueles jogadores acabavam indo jogar em países que ele nunca tinha ouvido falar. E aqueles repórteres, em pouco tempo, passavam a conversar com outros amigos dele. Um dia, em uma entrevista ao vivo, ele comentou entre risos, o que via acontecer nos clube, inocentemente. Ao ver os olhares de censura do repórter, ele parou de falar e o repórter disse que ele tinha que sair para um compromisso. Na partida seguinte, um zagueiro que ele já vira conversando com aquele jornalista, deu uma entrada violenta em seu joelho. Fratura em quatro lugares e fim de carreira. O zagueiro levou cartão amarelo e continuou em campo. Ao sair de campo, delirando de dor, ele teve a impressão de ver o jornalista olhando para ele com um sorriso maldoso no canto da boca. Ele teve de arrumar um emprego, já que sua carreira estava encerrada pela contusão. Casou, teve filhos e conseguiu um emprego relativamente seguro em uma loja de autopeças que abriu com o cunhado. Seu filho mostrava ainda mais habilidade do que ele com a bola. Aos nove anos, quando perguntou se poderia ir ao clube da zona norte, paixão da família, fazer uma peneira, fez o agora adulto chorar pela primeira vez na vida. E, pela primeira vez, ele entendeu tudo o que acontecera em sua vida.
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