“Que os deuses permitam-me alçar Eros e suas setas de fogo.” Quem me vê assim de óculos, concentrada em palavras que vou juntando na tela do computador, não imagina a fêmea fatal que acabei de encarnar. Voltei do almoço afoita, cheia de vontade de registrar algumas idéias que me passaram pela cabeça. Penso em escrever uma crônica, olho para seu título, meio receosa de estar sendo indevida, como personagem sou do tipo meio tímida. Hoje ele começa a trabalhar no turno da noite. Portanto, eu e ele seremos algo assim como sol e lua. Pela manhã nos despedimos com um estalar de lábios feito promessa ou um adiamento de intenções. Combinamos de nos encontrar ao meio-dia. Apesar de todos os prognósticos indicarem que o horário mais apropriado é depois do pôr-do-sol, tivemos de nos reservar um tempinho no horário de almoço. Isso quer dizer incluir sacanagem nessas duas horas espremidas entre a manhã e a tarde e cuja grade de programação já inclui: uma passada rápida no supermercado pra comprar algo fácil de fazer, comer uma pizza semi-pronta com consistência de chiclete assado, escovar os dentes, fazer xixi, e outras frivolidades do corpo. Estamos sentados na sala, em frente à TV, com a barriga cheia de pizza meia-boca. Ele toma a iniciativa e vem em minha direção. Eu ainda não entrei no clima, mas prometo a mim mesma que vou relaxar. Tento descontrair, finjo que estou procurando evitar que suas mãos alcancem o zíper de minha calça jeans. Para fazer isso, acabo inventando uns passinhos de dança inesperados. Começo a me soltar, ele entra na brincadeira, seu corpo vai balançando no ritmo do meu, suas mãos enlaçam os meus quadris. Sua pele encosta na minha, tão sutilmente a ponto de provocar um estalo. As luzes se apagam e uma melodia suave vai invadindo o ambiente. O sofá transforma-se em uma magnífica cama ornada de belo dossel. O lençol é tão macio a ponto de não nos intimidar com sua presença. Mandei vir da Índia uns aromas que só devem existir naquelas paragens e inundo minhas narinas com sabor de exotismo. Minhas pálpebras embebidas em rímel preto dão o tom fatal, quase trágico, ao olhar de gueixa. Ainda é sol de meio-dia lá fora, mas aqui dentro resplandece no céu de nosso quarto uma lua crescente. Não uso palavras nesse momento, sou só suor e saliva. Falo em línguas que vão percorrendo suavemente as campinas das coxas. Demoro-me em seus contornos, cruzo seus limites com delicadeza. Você é impetuoso, rasga com unhas o que eu escondia com pétalas. Abre-te Sésamo! Você conhece as palavras mágicas e tem permissão para entrar. Como um vulcão que desperta, começo a sentir as pequenas ondas de convulsões se formando no baixo ventre. Suas mãos agarram-se ao cume de minhas pirâmides e ao redor do umbigo sinto aquele latejar. Você sobe e desce em meu calabouço, sinto o calor percorrendo e inundando as minhas paredes. Mais alto, eu grito, mais eu quero subir. Como uma sinfonia que vai atingindo outras imensidades, aumenta gradativamente o nível das sensações que sinto. Cismo que posso chegar ao céu e, a cada degrau que subo, o fogo na espinha faz sacudir o corpo todo num latejar agudo. Assim se formam os mundos, pressinto, um vulcão tentando atingir com sua seiva o infinito. Mas o prazer dos sentidos não é duradouro e quem só nele busca consolo, sente-se desabar, enfim, vencido. Após tanto alçar, atinge um cume e se derrama em dois corpos no chão desfalecidos. Corro para o banheiro para jogar uma água no corpo. Não lavo os cabelos para não dar bandeira, por incrível que pareça, eu me pego a me importar com o que os outros vão imaginar. Chego a sentir seus olhares dizendo: “Essa deu uma boa trepada na hora do almoço”. É lógico que ninguém seria vulgar de dizer isso, mas os pensamentos são cheios de obscenidades. No portão, encontro-me com uma vizinha. Ela terá percebido a minha cara de quem acabou de transar? Pergunto isso para ele e ele diz para eu deixar de ser neurótica. Enquanto ele dirige, eu fico no banco do passageiro fazendo careta para os pedestres. Tento desenhar no rosto uma feição natural, de quem acaba de sair de um restaurante e não fez nada além de almoçar no horário de almoço. Já de óculos, em frente ao micro, invisto-me de Sherazade.
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