O ciclo das estações anda meio desmoralizado, por causa, sobretudo, do infernal e persistente calor, mas no último fim de semana tivemos a impressão de que o outono havia realmente chegado: a temperatura agradável do domingo foi disto um sinal. Se vai durar não sabemos e nem importa muito, porque, como diz Drummond, "o outono é mais estação da alma do que da natureza". Contudo, o rico simbolismo desta fase do ano tem, sim, a ver com as coisas da natureza. É a época em que, no hemisfério norte, as árvores vão lentamente perdendo suas folhas. Não o fazem sem oferecer, gratuitamente, um espetáculo de cores, de vermelhos, amarelos e alaranjados, que é de tirar o fôlego. Nos Estados Unidos, não são poucos os turistas que vão à Nova Inglaterra para vê-lo e os jornais até divulgam um boletim periódico sobre "a situação das folhas". Mas o outono também marca a colheita. Na arte européia, freqüentemente, a estação é representada como uma bela mulher carregando frutos e grãos. Aliás, o Dia de Ação de Graças, que nos Estados Unidos cai no outono, é celebrado com uma pantagruélica refeição, digna do país da obesidade. Desses dois característicos sazonais e, mais, da antecipação do inverno vem o simbolismo do outono. Que, em inglês, é designado por duas palavras: "autumn" e "fall", queda. Queda das folhas, declínio da vida: "Em mim podes ver a quadra fria / em que as folhas, poucas, nenhuma / pendem do ramo precário onde outrora havia / ninhos, e gorjeio e plumas", suspira Shakespeare no Soneto 73. Ecoa Verlaine: "Os longos sons / dos violões de outono / ferem meu coração / com langor monótono". E, finalmente, Baudelaire, evocando o inverno próximo: "Logo mergulharemos nas frias trevas; adeus, viva luminosidade dos verões, curtos demais". Não é de surpreender que no hemisfério norte o outono seja a estação do Halloween, das bruxas e dos espectros. Isto não deve ser motivo de tristeza ou de desânimo. O outono da vida também é a época em que colhemos aquilo que foi semeado durante a vida: os frutos do trabalho, as amizades, os filhos, os netos. O inverno chegará? Claro que chegará. E depois dele virá uma primavera, e um verão. Recomeçar é uma constante para nós - esta é a época em que as aulas recomeçam - e, na verdade, é aquilo que nos mantém vivos. Mas não precisamos ter a fúria maníaca de recomeçar; podemos fazê-lo com calma, com a sábia tranqüilidade que o outono nos inspira. Estação melancólica? Decerto. Mas quem disse que melancolia é ruim? Ruim é a depressão. A melancolia corresponde àquela tranqüila resignação que, segundo Freud (nunca muito otimista em termos de saúde mental), é o máximo a que podemos aspirar. Saudemos o outono. E ouçamos com prazer os seus violões. Palocci e as folhas das árvores. Semelhança: caem no outono. Diferença: as folhas ficam amarelas ou vermelhas; Palocci nem muda de cor.
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