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Opinião
09/04/2006 - 07h16
Mercado e moralidade
Ubiratan Jorge Iorio - MSM
 

A sociedade pode ser subdividida em três grandes sistemas, inextricavelmente interdependentes, embora cada um deles com mecanismos próprios de funcionamento: o político, o econômico e o ético-moral-cultural. Em outras palavras, a economia e, portanto, sua principal manifestação, que são os mercados, não funciona, no mundo real, como os economistas a estudam nos livros-textos. Opera circundada e influenciada pelas instituições, ou seja, pela forma de organização política e jurídica e pelos padrões de moralidade vigentes em cada época. Desses três grandes subsistemas, o ético-moral-cultural é o mais importante, à medida em que as normas de conduta, hábitos e costumes que dele emanam influenciam os sistemas político e econômico.

Se a sociedade está podre em termos éticos e morais, o que se pode esperar das ações humanas desta mesma sociedade nos campos político e econômico: que sejam virtuosas? No entanto, temos sido alvo, juntamente com outros escritores que pensam de forma semelhante, de críticas em relação ao nosso firme posicionamento em defesa dos valores morais básicos ocidentais. As críticas não vêm apenas das esquerdas - como é natural esperarmos - mas, também, infelizmente, de alguns economistas liberais, melhor dizendo, libertários, para quem a liberdade deve ser o ideal supremo, o que os leva a crer que não deve submeter-se aos ditames morais.

A nós, parece claro que não deve ser assim, porque, mesmo incluindo-nos no restritíssimo rol dos economistas liberais brasileiros, fazemos sempre questão de ressalvar que liberdade exige sempre responsabilidade e esta última deve necessariamente estar ligada aos valores morais, senão não será responsabilidade e a liberdade não será liberdade, podendo tender à libertinagem.

Sussurram-nos o bom senso - e, até, a própria noção de ridículo - que, para falarmos sobre qualquer tema, elogiando, criticando ou tão somente descrevendo-o, temos a imposição ética de, pelo menos, saber do que estamos falando. Tal princípio elementar, contudo, não é observado por muitos escribas e oradores, quando se põem a discorrer sobre o que denominam "o famigerado mercado", a ponto de atribuir-lhe a maioria dos males do país, quando não do planeta. Isso não causa espanto, pois a esquerda brasileira e latino-americana sempre cultivou o hábito premeditado de tentar arrasar qualquer objeto - mesmo não identificado - que se interponha entre seus cérebros rupestres e seus fins silvestres de implantação do socialismo retrógrado. Para os súcubos de Lênin, Stalin e de outros monstros, não importa entender o que é o mercado; mas é preciso criticá-lo, seguindo o manual gramscista de lavagem cerebral.

Os mercados são ordens espontâneas impessoais, processos de descobertas permanentemente aperfeiçoadas mediante procedimentos de erros e tentativas, onde quer que haja trocas voluntárias entre dois ou mais agentes econômicos. Quando, por exemplo, a mãe pede ao filho para ir à padaria comprar oito pães franceses, ou um livreiro vende um livro a um estudante, ou entramos na internet para ver como estão os mercados financeiros, estamos falando, nos três casos, de mercados. Funcionam como o trânsito em uma cidade em crescimento, com regras adequadas para cada momento, em que os motoristas e pedestres seguem o que indicam as placas, sinais e faixas, normas de conduta que vão se modificando conforme novas necessidades surgem e que produzem por si mesmas uma ordem, evitam acidentes e, mesmo sendo coercitivas, respeitam a liberdade. Os mercados são impessoais, frutos da ação humana e desenvolvem-se espontaneamente. Dadas as regras básicas que devem regê-los, funcionam sempre, inelutavelmente, só que podem funcionar para o bem ou para o mal.

É quase impossível encontrar no Brasil quem saiba o real significado de uma economia de mercado e que revele conhecimento de que todos os países que a tentaram abolir, como a antiga União Soviética, simplesmente ruíram como castelos de cartas. Mercados - e somente eles! - são capazes de formar preços que, quando são determinados pelo governo, não passam de "pseudo-preços", por não refletirem ações voluntárias da parte de quem compra e de quem vende. A formação de preços exige, portanto, mercados livres, o que pressupõe, de um lado, a propriedade privada e, de outro, normas de justa conduta. Se não existe propriedade privada e livre iniciativa, não podem existir mercados e, portanto, não existem preços, o que leva todas as economias planejadas a um vôo cego e, no longo prazo, ao caos. Só os mercados são capazes de difundir o conhecimento, ao determinar os valores verdadeiros dos bens e serviços produzidos e trocados. O mercado é uma imposição natural, de ordem praxeológica.

Muitos também não entendem que, ainda que os mercados atendam à virtude da praticidade e sejam essenciais para o desenvolvimento das sociedades, são, em sua essência, moralmente neutros e, por isso, precisam de uma base moral, para que possam funcionar de modo ético e adequar-se à dignidade da pessoa humana. Há mercados de fraldas e de livros didáticos, assim como de prostituição e de produtos pornográficos; há mercados de educação e de serviços médicos, assim como de compras de votos e de "mensalões". Todos esses mercados, como de resto qualquer outro, funcionam, na medida em que estão subordinados, por definição, às leis da economia, condensadas pelo princípio mengeriano de "ação humana", que foi magistralmente desenvolvido pelo economista austríaco Ludwig von Mises. Assim, por exemplo, se houver um aumento no número de bebês, outras variáveis mantidas constantes, devemos esperar um aumento no preço das fraldas; se houver uma queda no número de estudantes, podemos aguardar uma baixa no preço dos livros didáticos; se houver um crescimento na população de prostitutas, a teoria econômica permite-nos afirmar que podemos antever uma queda nos preços dos "programas" e assim por diante, para qualquer mercado.

Como vemos, todos funcionam, mas não em um vácuo ou vazio institucional e estão indelevelmente ligados à cultura. Uma educação moral sólida, baseada em princípios cristãos, certamente reduziria o fenômeno da prostituição, embora não o abolisse completamente; reduziria o consumo de drogas, a corrupção e a incidência de muitos vícios que caracterizam a sociedade moderna. Há argumentos puramente econômicos para sustentar, por exemplo, a liberalização do consumo de drogas e o aborto, sempre em nome de uma falsa "liberdade" ou liberdade exterior (a de fazer o que nos dá na telha) mas, neste caso, o fator moral deve falar mais alto e mostrar que o que deve prevalecer é a liberdade interior, aquela liberdade de fazermos o que sabemos ser certo e de evitarmos fazer o que sabemos ser errado.

Alguns críticos do mercado, situados à esquerda, costumam afirmar que a corrupção e a libertinagem seriam produtos do livre mercado, o que é errado, pois ambas derivam das condições culturais e morais vigentes e não do mercado por si só. Por outro lado, certos libertários sustentam que, sendo a liberdade o valor supremo e estando também ligada à cultura e a uma ampla gama de conceitos de ética e moral, não é recomendável que se tente "impor" um sistema moral específico, o que seria uma agressão à liberdade.

No mundo real - que é antitético a qualquer utopia -, por definição, não podemos escolher viver sem mercados, mas podemos e devemos eleger que tipos de mercados institucionalizaremos: livres ou planejados, favoráveis ao desenvolvimento da virtude ou do vício, da violência ou da fraternidade, da honestidade ou da corrupção.

Eis o dever de casa que temos que fazer rapidamente, para o Brasil - como, de resto, o mundo - entrar nos eixos.


Nota do Editor: Ubiratan Jorge Iorio é Doutor em Economia (EPGE/FGV), Vice-Presidente Executivo do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (Cieep), Diretor da ITC IORIO TREINAMENTO E CONSULTORIA e Professor da UERJ, da FGV, da PUC.

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