Estamos no paraíso. E esse papo de que fomos expulsos pelas cagadas daquele traficantezinho primário, conhecido pela alcunha de Adão, é balela. Desde quando o tráfico de informações e sabedoria é pecado? Porque se fosse, imagine a quantidade de lobistas perseguidos pelo criador, sendo exilados de seus Édens fiscais. Claro que isso não existe, afinal, aprendemos as práticas do tráfico inocentemente na escola, ainda no primário. Começa quando, aqui neste Brasil, chegaram uns portugueses e inauguraram a rota do mal. Tornaram os brasileiros da época em escravos e exploraram nosso pau-brasil com uma violência digna dos morros cariocas. A primeira aula de comércio ilegal dada nestas terras. E depois ainda dizem que este povo é burro. Aprendemos a lição direitinho, e passamos para o ouro. Fomos os melhores mercadores que este mundo já viu. Criamos cidades, estradas, bandeirantes. Tudo para dar passagem ao mais lucrativo dos tráficos daquela época. Um negócio indecoroso que atingia a monarquia, a alta classe e suas vaidades, como acontece nesta época. E para provar que gostamos mesmo do ganha fácil, passamos para as monoculturas, que nem tinham nada de criminoso. A não ser a postura política, quase feudal, dos coronéis da cana-de-açúcar, que matavam seus opositores e dominavam a vida de seus dependentes. Assim como a prática de poder instaurada nas favelas de todo o país. E quem o detém? Os coronéis da coca, agindo do mesmo jeito que agiam os barões do café (num passado posterior ao oba-oba do açúcar), determinando territórios de atuação e travando guerras com quem tentasse invadir seus limites, ou disputar o preço da mercadoria. Mas o tempo passou. Os produtos foram mudando de acordo com as vontades da sociedade e as técnicas do tráfico continuaram evoluindo. Assim, a figura do traficante, que como acabamos de ver, já teve vários nomes. Explorador, mercador, barão, coronel... Mas desempenhando sempre o mesmo ofício: atender a qualquer preço os desejos sociais, que, atualmente, desembocam nas drogas. Deixe-me consertar, atualmente não. Por que elas, as malditas, porém desejadas, drogas sempre estiveram aí, juntamente com seus comerciantes. Ou você nunca ouviu falar dos serviços de Seu Felisbino? Talvez, o primeiro traficante de ma’kaña, como era chamada na África, que se tem notícia. E, tenho certeza, você ainda não ficou ligado porque não dei o nome de sua principal cliente. Mas antes, vou avisar para a polícia que nada escrito neste artigo poderá servir como prova judicial contra alguém. Agora sim, sua cliente, viciada no famoso pito de pango (atualmente, baseadinho), era dona Carlota Joaquina. Isto serve para mostrar a quantidade de tempo em que a nossa sociedade é chegada numa hipocrisia, daquelas bem plantadas. Com mania de, com a cara cheia de cachaça, proclamar a moralidade e os bons costumes. E, com o nariz cheio de pó, sentada atrás da mesa de vidro, lutar contra o poder do tráfico. O comércio ilegal, inegavelmente, sempre foi um dos sustentáculos desse país. O que seria do Brasil sem toda esta economia clandestina que nos acompanha desde o descobrimento? Com certeza não seria o mesmo País. Talvez melhor, talvez pior. Mas não este que existe na realidade e do qual não podemos fugir nos embriagando de fumaça. Precisamos parar de varrer esta poeira branca para baixo do tapete da conduta exemplar, e limpar a sujeirada que se tornou este País enquanto agíamos socialmente como hippies: sem nenhum tipo de compromisso, e, por conseqüência, tornando-nos vítimas desta situação; ocupando o perfil de usuário, policial, familiar ou traficante. Sempre será assim enquanto a droga for tratada como um problema, não como realidade. Vamos deixar o THC para depois, encarar a verdade. Admitir que as drogas são uma necessidade social, sempre foram. Afinal, não são todos que gostam de viver a loucura inebriante da religião, nem aspirar os devaneios da mídia ou se alucinar com a vida alheia na janela. Existem pessoas que preferem drogas, as dos traficantes. Pergunto quem pode dar o veredicto maniqueísta de bom e ruim? Já que as coisas somente são entendidas desta forma. Quem tem as mãos limpas para atirar a primeira pedra, sem ter um familiar ou amigo morando embaixo de um telhado-de-vidro? O fato mais interessante que esta mentira lucrativa causa, é que o primeiro a falar contra é sempre o último a saber da verdade. Portanto, não se anime. Todos nós estamos metidos e comprometidos até o nariz com este modelo viciado de sociedade, alimentando-nos com produtos ilegais e movimentando mercados poderosos com isso. Um modelo que vem dos nossos primórdios. Você acredita que esta prática secular vai estacionar por sua pobre vontade? Que o seu posicionamento de repúdio já não é calculado, friamente, pela dinâmica deste mercado? Que, sem uma postura de mais responsabilidades e menos opiniões, nada se resolverá neste impasse? Mas... só responda quando estiver menos tonto do que agora. No bom sentido, é claro. Nota do Editor: Flávio Assum é colunista da seção Iscas Paranoicotidianas do site www.lucianopires.com.br, com formação em comunicação social.
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