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Opinião
16/04/2006 - 11h01
Morreu o Carequinha, viva o Carequinha
Mario Guerreiro - Parlata
 

Por volta de junho de 2005, Roberto Jefferson (PTB-RJ) fez a melhor coisa de toda a sua vida: botou a boca no trombone e denunciou aquilo que o PT - hospedado no castelo da cínica fantasia - até hoje nega veementemente: a existência do mensalão que, após a vitória na votação do relatório da Comissão de Ética, adquiriu o status de existência oficial, para todos os efeitos e propósitos legais. Com isto, foi dado um passe de mestre na boca do gol, para o Ministério Público Federal - que ficou com a obrigação de fazer a redondinha beijar o barbante e, aí então, correr para a galera.

Devemos estar lembrados desse episódio marcante da história recente, principalmente daquele momento em que passamos a conhecer aquele que, até então, era um nada ilustre desconhecido: o tal de Marcos Valério, braço esquerdo de Zé Dirceu, que dizem ser o braço esquerdo de El Coma Andante, El muerto-vivo de Cubanacan. Jefferson, mas não Thomas, referiu-se ao primeiro nos seguintes termos: "Carequinha, falante, fala em dinheiro como se fosse uma coisa caída do céu". Ora, sabe-se muito bem que a única coisa que pode cair do céu é o fogo do Senhor sobre esta Sodoma tropical chamada Brasília, onde não há nenhum Lot e sua família.

No entanto, não foi esse carequinha que morreu em 4/4/2006, nem tampouco desejo sua morte nas minhas fantasias mais impiedosamente sádicas. Para ele, a morte súbita seria um sinal da misericórdia divina. Justo seria que ele - como todo e qualquer criminoso de colarinho branco - apodrecesse atrás das grades do único presídio de segurança máxima do Brasil: o de Presidente Prudente. Ah! Bons tempos de Prudente de Morais... O que temos hoje é um Impresidente cercado de imprudentes e imorais!

Ao escolher o título deste artigo, eu não tinha em mente o Marcos Valério, um carequinha como outro qualquer, mas sim Jorge Savalas, que não era parente de Telly (Aristóteles) Savalas, o ator greco-americano que representava o famoso detetive Kojak num seriado da TV em priscas eras. Só por uma dessas coincidências acachapantes, Telly não tinha um só fio de cabelo na cabeça. Mas, tal como Marcos Valério, não era O Carequinha, mas sim um carequinha. O verdadeiro Carequinha, representado no picadeiro pelo ator Jorge Savalas, era aquele inesquecível palhaço, nas melhores acepções de ambos os termos.

Quando eu tinha uns 5 ou 6 anos, lá pelos idos da década de 50, eu era um dos muitos televizinhos. Como, entre meus possíveis leitores, pode ter gente com menos de cinqüent’anos, sinto-me na obrigação de fornecer uma definição-de-dicionário. Televizinho = df. "aquele que, na década de 50 - por carecer de poder aquisitivo para comprar um aparelho - assistia programas de TV na casa de um vizinho, de um amigo ou de um parente mais bem aquinhoado". Esclarecido isto, passo a relatar um importante capítulo da história da TV, particularmente da TV Tupi do Rio de Janeiro, que juntamente com a Tupi de São Paulo, eram os únicos canais existentes na época.

Num dia da semana que, se não me falha a memória, era terça-feira às 8.30h.pm, logo após o Repórter Esso, entrava no ar o fabuloso Circo Bom-Bril, que era parecido com um circo de verdade, até onde isto se faz possível dentro dos limites do espaço televisivo. Mas O Carequinha era um palhaço de verdade. Brilhante estrela do trapézio, sua mãe teve um parto natural (sem intervenção cirúrgica nem econômica) em pleno picadeiro. De tal modo que O Carequinha era um dos poucos praticantes de seu ofício que estava autorizado a dizer: "Nasci no circo", no sentido literal da expressão. Realmente, ele tinha nascido palhaço e só podia ter sido palhaço, para ser fiel à sua vocação de divertir crianças e adultos, mas somente aqueles que, como ele, tinham dentro de si uma inocente, espontânea e descontraída criança que se recusava ser adulterada.

Como propunha o filósofo Henri Bergson, na sua obra clássica Le Rire (O Riso), há duas espécies de comicidade: a comicidade de palavras - a que desperta o riso por meio de um dito jocoso, um chiste, uma piada etc. e a comicidade de situações - forma não-verbal que desperta o riso por ser um andar desajeitado, um gesto canhestro, um ditador que tropeça no seu ego e dá com as suas fuças no chão (como recentemente ocorreu numa certa ilha do Caribe), pessoas num baile dançando animadamente, mas sem música, ou dois viventes jogando tênis sem bola, usw.

É de se esperar que um palhaço competente saiba despertar o riso por meio das duas formas acima, principalmente o produzido pela segunda, pois esta está mais próximo da comédia pastelão do cinema mudo do que de um bom contador de piadas como o americano Joey Adams, autor de Complete Encyclopedia of Laughter e do brasileiro Abram Zylberstajn, autor de As Melhores Piadas do Humor Judaico. O Carequinha dominava com maestria ambos os tipos de comicidade, mas a comicidade de situações era seu ponto forte.

Além disso, havia o salto e a cambalhota do Carequinha. No salto, ele se jogava de costas no chão e se levantava, sem o apoio das mãos, num acrobático impulso de seu corpo, tal como se fosse um movimento cinematográfico invertido. Na cambalhota, ele dava uma simples cambalhota, porém com seu chapéu na cabeça e seu guarda-chuva debaixo do braço, sem perder o aprumo! Tá pensando qu’é fácil, ô mané? N’é brinquedo não!

Creio que nunca mais verei os referidos números. Parece que eles eram marcas registradas do Carequinha; coisas que nasceram e morreram com ele, mas que hão de permanecer na saudosa lembrança de algumas gerações de seus admiradores. Como Jorge Savalas nasceu no circo - literalmente! - aos cinco anos começou a desempenhar seu ofício já devidamente caracterizado como O Carequinha, personagem elaborado em parte por um velho e experiente palhaço, em parte por ele mesmo em seus 85 anos de carreira, iniciada aos 5 e concluída aos 90! Acho que vou enviar esta informação para o Guiness Book of Records, pois duvido que alguém - neste vasto mundo onde Carlos não é Raimundo, só por amor à rima - tenha sido ou virá a ser capaz de superar este recorde de permanência no picadeiro.

O Carequinha não se exibia somente no Circo Bom-Bril, que acabou juntamente com a pioneira TV Tupi. Ele também se apresentava em aniversários de crianças com satisfação garantida ou seu dinheiro de volta. Uma mãe me contou que certa vez havia contratado o Carequinha para animar o aniversário de seu filho. A campainha da porta soou e ela foi atender. Deparou-se com um sujeito baixinho com farta cabeleira de negros e brilhantes cabelos penteados para trás e engomados com brilhantina. - O que o senhor deseja? - perguntou a dona de casa ao ilustre desconhecido. - Boa tarde, madame, eu sou o Carequinha. A rainha do lar mal pôde conter o riso, pois aquela situação assemelhava-se à de um calvo - com a cabeça como se fosse um assoalho bem encerado, dizendo: - Eu sou o Cabeleira de Sansão - (antes de ter sido traído por Dalila, it goes without saying).

A última vez que vi o Carequinha em ação foi quando fui a um aniversário de criança lá pela década de 80. Ele era o mesmo, com os mesmos indefectíveis trajes e desempenho, com a diferença de que sua avançada idade tinha cobrado um salgado preço: ele já não dava mais seus fabulosos e inolvidáveis salto e cambalhota. Não dei maior importância a isto, tamanha foi a emoção que tomou conta de todo o meu ser ao ver mais uma vez aquele maravilhoso palhaço que me enchia de alegria aos meus 5 anos e que, naquele momento, estava alegrando meu filho de 5 anos.

APÊNDICE I: COMPARISONS ARE ODIOUS

Lá se vão muitos anos desde que Millôr Fernandes comparou o Congresso Nacional com um circo. Choveram cartas, na redação do jornal, de leitores indignados com a aviltante analogia. Millôr achou que devia dar uma satisfação aos leitores: disse então que, em momento nenhum, teve a mínima intenção de ofender a valorosa classe circense e seus sérios profissionais, em que uns ganham seu pão engolindo fogo, outros entrando numa jaula cheia de feras e outros ainda dando um salto triplo no trapézio, sem rede estendida. É mole ou quer mais?!

APÊNDICE II: MORAL DA HISTÓRIA

Mil vezes um honesto e competente palhaço que nos faz saudavelmente rir do que um desonesto e incompetente político que ri de nós como se palhaços fôssemos. Foi pensando algo semelhante a isto que Charles Chaplin, O Carlitos, em seu intenso ativismo político suprapartidário, disse certa vez: "Continuo sendo a mesma coisa: um palhaço. E isto me coloca em um plano muito superior ao de qualquer político."


Nota do Editor: Mario Guerreiro é Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).

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