Devo dizer que fiquei muito surpreso quando o Beto e a Van anunciaram o noivado. Eu nem sabia que as pessoas ainda noivavam! Claro, o pessoal da minha geração todo "contratou casamento" (Deus!), mas isso foi antes da revolução sexual, ou seja, na pré-história. E mais surpreso fiquei quando eles nos mostraram as alianças. Iguaizinhas às que a gente usava. E iguaizinhas àquelas que vêm sendo usadas há muito tempo - desde o Egito de 1700 a.C. Um costume que foi mudando e se consolidando com o tempo. No começo, as alianças eram de ferro; só no segundo século d.C. passaram a ser feitas de ouro, metal valorizado. Aliás, tudo nas alianças é simbólico, a começar pelo formato. Alguém pode ver nelas algemas em miniatura, mas a interpretação que em geral se dá à forma circular é menos cínica: como o círculo, o amor não tem começo nem fim, é eterno, é cíclico: sempre se renova (espera-se). Igualmente simbólico é o dedo em que se usa o anel, o anular. Acreditava-se que ali estava a "vena amoris", a veia do amor que conduzia diretamente ao coração. Na astrologia, o anular é relacionado ao Sol, evocado pelo próprio formato do anel. Isto sem falar na óbvia conotação sexual que envolve o ato de enfiar o anel no dedo, ou vice-versa. Essas coisas eram tão importantes para as pessoas que nem a Igreja nem a monarquia puderam a elas ficar alheias: no século 12, o papa Inocêncio III decretou que a cerimônia de casamento deveria incluir a colocação do anel. O rei Eduardo VI, da Inglaterra, oficializou o anular como o dedo do casamento. Nunca usei o anel de casamento. Não sei explicar de onde saiu esta resolução, e descobri-lo me custaria mais anos de análise que a imortalidade e os direitos autorais podem me proporcionar. Mas creio que ainda é um resíduo da rebeldia juvenil de minha geração, aquela rebeldia que nos levava a desprezar a gravata como "coisa de burguês". Muitas vezes me pergunto o que diria o jovem Moacyr se visse o seu sucessor, com mais anos e menos cabelos, usando o fardão da Academia. Falei em rebeldia juvenil? Escrevendo no Rheinische Zeitung em dezembro de 1842, disse aquele pai de todos os revolucionários, Karl Marx: "Ninguém é forçado a casar, mas quem casa tem de seguir as leis do casamento. Nenhum casado inventa o matrimônio, da mesma maneira que nenhum nadador inventa as leis da física dos líquidos". No Manifesto Comunista, critica os burgueses pela promiscuidade: traçam prostitutas, mulheres proletárias e esposas de outros burgueses. É verdade que enquanto escrevia estas linhas, Marx traía a sua resignada mulher com a empregada (teve um filho dela). Mas disto não se vangloriava, mesmo porque não lhe faltavam preconceitos; quando Friedrich Engels, que era seu amigo e que lhe dava dinheiro até para a comida, começou a namorar uma moça de classe humilde, Marx ficou indignado. Para acalmá-lo, Engels teve de mentir que a jovem era filha de um poeta famoso. Ou seja, Karl era um tanto confuso em relação ao assunto e assim não é de admirar que o Manifesto, ao fim e ao cabo, proponha o "amor livre" como fórmula libertadora. A aliança de noivado não é um antídoto contra as complicações da vida conjugal. Mas mostra como símbolos e rituais são importantes para as pessoas. Em alguma coisa precisamos acreditar. Não existe veia que vai direto para o coração, mas ninguém negará que o coração de fato existe.
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