"Chega de discussões teóricas. Vamos para a ação." - Glória Perez, após assistir ao documentário "Falcão" exibido no programa Fantástico. Você já imaginou a seguinte cena:
Atores estão num "set" de gravação de um filme e de repente o diretor diz: - Luzes, câmara. E todos os atores, após meses de discussões à respeito do filme e muitos ensaios, ficassem literalmente parados! A realidade é que por mais boa vontade que haja tanto da parte do diretor de cinema, quanto dos atores e equipe, sem ação não há filme, só boas intenções e idéias! A realidade brasileira me lembra um filme destes. Fazemos fóruns sociais, congressos, grupos de discussões, freqüentamos cursos e mais cursos... E pouca coisa muda no nosso cenário. Falta ação! Líderes são formados nas escolas, e cada vez mais as empresas carecem de verdadeiros líderes. Livros e mais livros com "receitas de bolo" sobre o tema são consumidos por profissionais e liderança que é bom... O aprendizado é apenas realizado através de métodos mentais. Muita conscientização e pouca ação. Parece até que apenas lendo um livro ou fazendo um curso ministrado com giz, ou quadro branco ou ainda "power point" alguém se tornará magicamente um líder. A ingenuidade educacional beira a este nível. E tem gente que acredita que assim se forma ou desenvolve líderes. Por opção de vida, trabalho com uma metodologia chamada psicodrama. Ela se baseia na ação. Muita ação e pouco "blá... blá... blá". E já vi montes de líderes formados nas mais diversas escolas do mundo com enormes dificuldades básicas de liderança na hora em que foram para a ação numa sessão de psicodrama. Mas quem quer ação? Já deixei de ser contratada por empresas e universidades justamente por ter escolhido o psicodrama. Nas universidades, apesar dos meus anos e anos de experiência profissional a preferência é pelos acadêmicos. Muitos títulos e quase ou nenhuma vivência na ação. Hoje ao escutar qualquer coisa traço paralelos entre o psicodrama e aquilo que ouço e fico a pensar: - No psicodrama se faz assim... No psicodrama trabalhamos deste modo... Mas já reparei que não dá "IBOPE" algum, o que o pessoal quer mesmo é "blá... blá... blá". O psicodrama não tem "status" algum, mas é eficaz e resolve. E quem quer resolver alguma coisa? Algumas empresas até dizem que não tem tempo e dinheiro para treinar seus funcionários - já que desenvolvimento de papéis profissionais é um processo, e não ocorre de hoje para amanhã - mas gastam fortunas na contratação de palestrantes. O que muda isso na ação diária? No contexto social a coisa também não muda de figura. Quantas teses você já leu sobre a violência nos grandes centros brasileiros? Quantos tratados buscam entender o que ocorre por aqui? E o que mudou de verdade nesta situação? Ao contrário, a cada dia que passa a violência está pior, graças ao desemprego e ao tráfico de drogas. Estamos gerando uma dinastia de improdutivos, perigosos e excluídos. Num domingo assisti no programa "Fantástico" o documentário "Falcão - Meninos do Tráfico" realizado pelo rapper MV Bill e pelo produtor Celso Athayde. Foi um verdadeiro "chute no estômago". Doeu ver crianças serem treinadas desde pequenas à uma única convivência: tráfico de drogas. Doeu também ver meninas preferirem um cara armado a um bom rapaz. Ter arma dá aos meninos uma certa valorização social, dá poder! Porém, o que mais me doeu, foi ver como esta situação se perpetua e piora a cada ano e o ciclo não se rompe. Ninguém o rompe. A vontade governamental é fraca e o povo apenas complementa esta vontade. Somos fracos e inativos, não vamos para a ação. Mas somos capazes de ficar horas e mais horas discutindo o assunto confortavelmente, sentados em nossas cadeiras. Ou esperando que algum governante mágico resolva a situação. Temos na vida aquilo que complementamos. Povos desorganizados e desunidos merecem políticos embromadores. Ao assistir tudo aquilo lembrei dos trabalhos que fiz junto à população carente usando a metodologia psicodramática. Lembrei de colegas psicodramatistas que fizeram trabalhos maravilhosos junto a várias comunidades. E a comunidade, tal como tem que ser, se organizou e gerou saídas a partir de si mesma. Nunca vi nenhum trabalho desses ser publicado em jornal ou virar matéria de um programa de TV. Muito menos ser comentado nas universidades... Acadêmicos parecem ter ojeriza à ação. Preferem citar autores internacionais, gente que ganha muito dinheiro pelas elucubrações que faz ou pelos mestrados e doutorados que têm do que pelas ações que transformou. Nós, os psicodramatistas, não colhemos louros, apesar de estudarmos muito. Para ser um psicodramatista é preciso fazer um curso de no mínimo dois anos, embora muita gente acredite que usamos apenas técnicas parecidas com teatrinhos. Nada disso! Nosso trabalho se calca na prática lidando com grupos, e no estudo sistêmico da metodologia. Somos obrigados a fazer terapia durante a nossa formação, aprendemos também a partir de nós mesmos. Muitos, aqueles que não conhecem e nem sequer imaginam o que seja o psicodrama, acham que podem ler um livro ou copiar as técnicas, mas estão redondamente enganados ou desqualificam o nosso trabalho simplesmente por não entendê-lo. Hoje se valoriza o empolamento, ao invés da simplicidade. Porém, esta soberba não tem modificado nem líderes e muito menos o contexto social. As cenas do cotidiano estão a cada dia mais tristes e duras de engolir. A falta de ação engorda, tal como a raiva contida! Moreno, o criador do psicodrama, dizia que "o psicodrama não pertence somente aos consultórios, mas sim à vida". Ele pode estar presente nas ruas, não precisamos de "power point" e muito menos de computadores para desenvolvê-lo nas escolas, empresas... Ou em qualquer lugar onde haja gente! Alguns após ler este texto podem achar que estou fazendo apologia ao psicodrama. Talvez esteja. Cansei de ficar calada e ouvir tanto "blá... blá... blá". Cansei de ver um trabalho tão digno ser tão pouco reconhecido, e até entendido. Mas a ação não foi feita para ser entendida, foi feita para ser vivida. Tente explicar o que é sexo ou o sabor do sorvete para alguém. As melhores coisas da vida transcendem às palavras. Nota do Editor: Suely Pavan é colunista da seção Iscas Profissão do site www.lucianopires.com.br, psicóloga, psicodramatista. Sócia-diretora da Pavan Desenvolvimento (Treinamento, Coaching de Talentos, Palestras, Avaliação de Potencial) e da Mele & Pavan Recrutamento e Seleção. Professora e Supervisora de Psicodrama da Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama.
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