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Opinião
23/04/2006 - 10h11
Um papo macambúzio
Dartagnan da Silva Zanela
 

Existem muitas expressões que acabam por tomar conta da compreensão primeira das pessoas que também é chamada chulamente de "senso comum" e essas expressões que invadem o nosso dia-a-dia acabam por deformar a nossa compreensão da realidade ao invés de nos trazer uma clara compreensão do mundo onde nós estamos inseridos como sujeitos passivos/ativos em uma dialética existencial confusa e truncada.

Uma das expressões que mais nos distancia da realidade, dos fatos vivenciados em nossa sociedade, é a afirmação de que "o que manda é o poder econômico" e quem nos desgovernaria seriam os coronéis. Perfeito, mas, quando pensamos as relações de poder, não devemos de modo algum apontar para uma única variante como sendo a determinação em si do fenômeno, pois, deste modo, acabamos por cair no que o filósofo Mário Ferreira dos Santos conceituava como "abstracionismo" que, nada mais seria, o ato pacóvio de resumirmos a complexidade das dimensões do humano em uma única e assim, passa-se a querer explicar os percalços da humanidade a partir tão só da economia, ou da história, ou do direito, dos valores religiosos etc.

É inegável que o fator econômico é deveras relevante para compreender-se as relações de poder, porém, a sua análise em si, pouco explica, visto o fato que o que determina o caráter das dimensões do humano vivenciado em sociedade ser o modo como se articulam as variadas dimensões do existir humano. Trocando em "dorso": não é o fator "A" ou "B" e muito menos "C" que irá dar sentido a um determinado fenômeno, visto que, a explicação de algo se constata no interstício das relações tecidas entre os sujeitos envolvidos na malharia dos fatores que os constitui, como bem nos explica o filósofo/historiador Michel Foucault.

Por essas e outras que cremos ser uma atitude de profundo abstracionismo tentar explicar os problemas de nossa nação tão só pelo viés da economia e mais ainda, determinar que o dito "coronelismo" como sendo um fenômeno fundamentalmente econômico. E, de mais a mais, para o andamento da prosa, coronelismo não mais existe, acabou nos idos da Era Vargas, como bem nos explica o historiador José Murilo de Carvalho. Entretanto, os fatores que davam forma a essa maquinação das relações de poder continuam até os dias hodiernos que seria o que denominamos por mandonismo, que em si, não tem como ponto basilar de sua constituição o fator econômico.

O que caracterizaria o que denominamos por "coronel" seria tão só o fato de este ser o detentor do mando político regional e, para tanto, não se tem a necessidade de este ser detentor de grandes posses ou de ser o homem mais afortunado materialmente da localidade. O que se faz necessário é tão simplesmente que este tenha um grande carisma social, o reconhecimento público de suas supostas qualidades e, principalmente, que seja apresentado como o representante do mandatário da região (um deputado, no caso) junto ao Governo do Estado ou junto ao Governo Federal.

Devido à ausência do Estado, ou devido a sua invasão por parte destes biltres que acabam realizando o papel que corresponderia a função atribuída ao Estado ou que, pelo menos, em princípio, deveria ser garantida pelo Estadossauro. Ou seja, acabam se apresentando como uma espécie de protetores dos "frascos" e "comprimidos", como os beneplácitos benfeitores da comunidade.

De maneira nua e crua, talvez essa imagem não se faça clara às nossas vistas, mas, se esta é espelhada em exemplos, logo se torna visível aos nossos olhos enquanto um tosco reflexo de nossa realidade. Para tanto, recorremos ao historiador Victor Nunes Leal que, em sua obra CORONELISMO, ENXADA E VOTO - o município e o regime representativo no Brasil, nos aponta em uma nota de roda-pé os principais papeis que constituem a alçada de um mandatário local que, no caso, seria o de: “[...]arranjar emprego; emprestar dinheiro; avaliar títulos; obter crédito em casas comerciais; contratar advogado; influenciar jurados; estimular e ‘preparar’ testemunhas; providenciar médico ou hospitalização nas situações mais urgentes; ceder animais para viagens (hoje, veículos); conseguir passes na estrada de ferro (hoje, ônibus); dar pousada e refeição; impedir que a polícia tome as armas de seus protegidos, ou lograr que as restitua; batizar filho ou apadrinhar casamento; redigir cartas, recibos e contratos, ou mandar que o filho, o caixeiro, o guarda-livros, o administrador ou o advogado o façam; receber correspondência; colaborar na legalização de terras; compor desavenças; forçar casamento em casos de descaminho de menores, enfim uma infinidade de préstimos de ordem pessoal, que dependem dele ou de seus serviçais, agregados, amigos ou chefes”.

Este tipo de relação de troca de préstimos, em nossa sociedade, acaba permeando todas as searas de nossa sociedade, edificando assim uma relação de cumplicidade entre o favorecido e o seu "benfeitor". Uma rede de compromissos firmada para que, não só uma pessoa, o mandatário, possa se beneficiar do conluio com as forças maiores que nos regem, mas sim, um grupo de pessoas que se irmana para que, deste modo, possam ter o controle do poder de mando e assim colher os benefícios desta prática indecorosa que é constitutiva da cultura política brasileira.

E, seria deste modo, que muitas vezes um mandatário local cai e outro sobe. Não tão só pelo seu poder econômico, visto o fato de muitos destes não ter onde cair morto. Mas sim, a forma como o grupo político constituído em torno deste nome se articula e atua no corpo societal. Por isso, o problema não é tão só o nosso Presidente, nossos Governadores e nossos Prefeitos e respectivos opositores, mas a corriola que lhes dá sustentação em seus cargos republicano/babilônicos. E, nós, dentro deste jogo, acabamos irrevogavelmente tendo um papel ativo ou passivo nesta grande maracutáia, ou como membros diretos ou indiretos de grupelhos politiqueiros, ou como meros eleitores/torcedores usados como marionetes no espetáculo circense que é a democracia de massas de nosso país.

Por essas e outras que, falar em relações de poder acaba sendo sempre um papo deveras macambúzio, capaz de irritar até as almas mais equilibradas.


Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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