Há quase um ano o Brasil vem assistindo a mais um capítulo da interminável novela sobre a corrupção de nossos governantes. E sempre é a mesma coisa: a imprensa publica um furo de reportagem mostrando a corrupção que acontece dentro do governo. Inicialmente este nega tudo e tenta abafar o caso, mas como tanto a oposição quanto a imprensa continuam a fazer barulho, o governo acaba não tendo condições de impedir a abertura de uma CPI. Quando esta é criada seus membros afirmam que investigarão tudo, "duela a quien duela", como diria o ex-presidente Fernando Collor. Depois de alguns meses, se a CPI consegue fazer alguma coisa é cassar um ou dois deputados e só. Outra coisa que nunca falta são os depoimentos claramente mentirosos que as autoridades suspeitas de corrupção prestam na CPI. Paulo César Farias, João Alves (aquele que ganhou na loteria duzentas vezes), Delúbio Soares, Marcos Valério, Duda Mendonça, Antonio Palocci e José Dirceu têm algo em comum, além, é claro, de furtar dinheiro público para seus próprios interesses escusos: todos mentem com a cara mais deslavada possível quando convocados a depor em CPIs. Um dos corolários do Estado de Direito é de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Essa é a razão pela qual o Supremo Tribunal Federal vem concedendo Habeas Corpus preventivo àqueles que vão depor nas Comissões Parlamentares de Inquérito. Entretanto, dado o absurdo que ocorre na prática, pois os depoentes mentem com a chancela da corte suprema do país, é de se perguntar o que pode ser feito para mudar essa situação. Geralmente é o STF que leva a culpa, mas o problema é de outra ordem, já que esse tribunal existe justamente para proteger a Constituição Federal, especialmente os direitos e garantias individuais. O problema é que os acusados têm o direito de mentir em juízo! Sim, caros leitores, no Brasil não existe o crime de perjúrio mas apenas o de falso testemunho, e este pode ser praticado apenas por testemunhas, peritos, tradutores ou intérpretes, mas não pelos acusados. Assim, estes têm o direito de falarem o que quiserem em juízo, por mais absurdo que seja e ainda assim não estarão praticando crime algum. Em terras um pouco mais civilizadas que esta, como os Estados Unidos e a Inglaterra, o acusado que mentir em seu depoimento ou interrogatório responde por perjúrio, além do crime pelo qual já estava respondendo. O ex-presidente americano Bill Clinton quase sofreu impeachment por causa disso (e não por ter tido um caso extra-conjugal como a imprensa brasileira deu a entender). Jonathan Aitken, secretário do Tesouro inglês no governo de John Major foi condenado a uma pena de dezoito meses de prisão, dos quais cumpriu sete, por ter cometido o crime de perjúrio. Enquanto isso, em terras tupiniquins, Delúbio Soares pode inventar a lorota de que tudo não passa de "recursos não contabilizados", Marcos Valério tem a cara-de-pau de afirmar que o dinheiro na verdade tinha sido emprestado pelo Banco Rural, Antonio Palocci pode dizer com a cara mais deslavada que nunca esteve na mansão da República de Ribeirão Preto e José Dirceu nem fica vermelho ao falar que não é chefe de quadrilha e que nunca foi arrogante. Se existisse o crime de perjúrio ou eles ficavam calados ou então, se contassem essas mentiras, seriam denunciados por perjúrio. Aos que estiverem interessados na criação desse crime, aviso que a coisa não é tão difícil assim. Não é necessário um quorum muito expressivo como acontece para se aprovar uma emenda constitucional. Só é necessário um projeto de lei para fazer uma pequena alteração no Código Penal. Nunca é demais lembrar que, enquanto pode ser difícil provar juridicamente que José Dirceu é o chefe da quadrilha ou que Antonio Palocci quebrou o sigilo bancário do caseiro, provar o crime de perjúrio pode ser bastante simples, já que os depoimentos dos dois foram gravados por várias redes de televisão. Se os deputados realmente quisessem que aqueles que depusessem em CPIs não mentissem, eles iriam criar o crime de perjúrio ao invés de criticar o STF. Enquanto isso não acontecer, as sessões de CPIs parecerão mais um filme de comédia para os que depõem e de drama para o povo brasileiro. Nota do Editor: Marcelo Moura Coelho é advogado.
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