Na fria noite de terça-feira, após ganhar o pão com o suor do rosto, o que me fez maldizer Adão, fui para a Câmara Municipal acompanhar a sessão, como faço desde que me tornei caiçara por opção. Minha atenção foi despertada pela redundância de certas propostas e onde elas poderão nos levar. Um "nobre" vereador fez um projeto que institui a obrigatoriedade de se ministrar noções de cidadania em todas as aulas da Rede Municipal de Ensino. Não quero colocar em dúvida a boa intenção da qual a ação se reveste. No entanto, há o que ser discutido. Já existe essa obrigação no projeto de transversalidade da educação. Se o projeto fosse colocado em prática, o que duvido que venha a acontecer, há um longo caminho entre intenção e gesto, todos os dias haveria pregação cívica em dose dupla. Apenas falar em cidadania não surte efeito, é preciso dar exemplo. Os vereadores servem de parâmetro. São vencedores. Foram escolhidos pelo povo para representá-lo. Seria conveniente que se apresentassem devidamente compostos, barbeados e vestidos com roupas adequadas. Vereadores são formadores de opinião, exercem influência sobre o comportamento do povo. Em Ubatuba fala-se muito em cidadania, no entanto, as bicicletas continuam na contra-mão e as pessoas jogando lixo e lançando esgotos nos rios e derrubando árvores como acontece na Ressaca. Ninguém toma providências, ocupados que estão em açodar o apresentador-costureiro Clodovil. O discurso cívico proposto para as aulas deverá durar até quinze minutos. Lembrando que entre mudar de uma sala para a outra, acalmar os ânimos cheios de hormônios da petizada, fazer a chamada e preparar o terreno para começar os trabalhos, quinze minutos estarão gastos. Depois virão os quinze minutos de pregação cívica do vereador. Nos últimos vinte minutos acontecerá a aula. Pobres alunos! No fim do período escolar teremos cidadãos plenos de conhecimentos de cidadania e incapazes de falar corretamente, fazer contas básicas e pensar com coerência, como estamos cansados de ver em todos os setores de nossa sociedade. Mudando de ganso para pato, ou melhor, pacto, na mesma sessão outro vereador - vestido de jogador de rúgbi - conclamou os demais para "compactuar um pacto". O que é isso? Seria compor novamente a música "O Pato"? Preparar a iguaria chinesa "pato laqueado"? Ou exercer pressão sobre uma pobre ave até torná-la compacta? Talvez o "nobre" vereador não tenha atentado para o significado da palavra compactuar. Vou lembrá-lo usando o dicionário. Segundo o Aurélio, compactuar é o mesmo que pactuar, isto é: combinar, ajustar, contratar, estipular, convencionar. Segundo ainda o mesmo dicionário a palavra tem em regra conotação pejorativa, não cabendo nos trabalhos legislativos sem causar desconforto. Por causa de confusões como essa é que ouso afirmar que nada substitui uma "boa" aula de cinqüenta minutos. Precisamos, antes de tudo, ensinar as crianças a ler e escrever corretamente. Cidadania é uma atitude perante a vida, deve permear todas as ações do dia-a-dia.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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