Conta o poeta Dante, em "A Divina Comédia", que, "no meio do caminho de nossa vida", encontrou-se em meio a uma "selva escura". Selvas escuras, mesmo metafóricas, hoje são raras - e as selvas reais são ainda mais raras, com todo o desmatamento que anda por aí. De qualquer modo, os tempos são outros. No meio do caminho de nossa vida, o que assusta o andarilho (ou a andarilha) existencial é a chamada crise da meia-idade. Um conceito fomentado pelo culto à juventude característico de nossa sociedade. Todo mundo quer parecer mais jovem. Não só isto: muitas pessoas, homens especialmente, buscam uma ilusória Fonte da Juventude como forma de escapar ao tédio, aos conflitos, à falta de perspectiva do "mezzo del camin". Um recente filme dirigido por Sam Mendes e protagonizado por Kevin Spacey retrata muito bem esta situação: trata-se de "Beleza Americana". Lester Burnham (Spacey) está brigando com sua ambiciosa mulher (Annete Benning) e com a ausente filha. Fica conhecendo a amiga desta, Angela, e resolve mudar de vida: deixa o emprego para trabalhar num fast-food, faz ginástica, enfim, volta a seus 20 anos. O resultado, como se pode imaginar, é um desastre. O sucesso do filme pode sugerir que "Beleza Americana" tocou num ponto sensível. E isto explicaria também por que muitas pessoas, nesta fase da existência, viram a mesa, mudando (às vezes radicalmente) o estilo de vida. Surge, assim, o Gatão de Meia-Idade, o cara solteirão ou recém-divorciado que está muito a fim de romances. Ou o cavalheiro pode se transformar num Bambi - não, não é nada disso que vocês estão pensando. Bambi não é aquele personagem do filme de Walt Disney; é o acrônimo para Born Again Middle-Aged Biker, o sujeito de meia-idade que volta à bicicleta, ou à moto, para experimentar uma espécie de ressurreição sobre duas rodas. Tudo bem, vocês dirão, é diversão, é esporte. Acontece que o nosso selvagem tráfego não é particularmente amável para com ciclistas ou motociclistas. Os jovens ainda podem contar com agilidade e bons reflexos; Gatões e Bambis têm mais dificuldade para isto. Daí a necessidade de redobrar as precauções habituais. Afinal de contas, existe mesmo a crise da meia-idade? Nem todos responderão afirmativamente. Um recente estudo realizado nos Estados Unidos pela Fundação MacArthur, especializada em pesquisas sobre meia-idade, ouviu mais de 8 mil pessoas. Quase todas conheciam a expressão "midlife crisis", mas só 20% tinham passado por esta experiência. E só 8% associavam os eventuais conflitos ao envelhecimento; os demais atribuíam-nos aos problemas da vida: divórcio, perda do emprego, dificuldades financeiras. Muitos homens, na década dos quarenta, têm sintomas depressivos, irritabilidade, disfunção erétil, perda de libido. As causas podem ser orgânicas ou psicológicas. Em certos casos, claramente identifica-se uma diminuição dos níveis de testosterona, o hormônio masculino - aquilo que se chama de andropausa e que pode ser tratada com reposição hormonal. Sob orientação médica, por causa do risco de câncer de próstata. E muitas mulheres devem enfrentar os desafios da menopausa. Mas estes problemas não são, absolutamente, a regra. Segundo a pesquisa, a maioria - vamos repetir: a maioria - das pessoas declarou que a volatilidade emocional e a ansiedade características da transição para a vida adulta haviam diminuído e que eles se sentiam melhores, mais calmas, mais seguras, até. Três quartos dos entrevistados classificaram seu casamento como excelente. Noventa por cento não acreditavam na possibilidade de um divórcio. Igualmente alta era a satisfação com o trabalho. Transformar-se em Gatão ou em Bambi talvez não sejam as únicas alternativas.
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