Sampa, terra da garoa e da boêmia, eternizada na poesia de Caetano e nas crônicas e pornochanchadas de Nelson Rodrigues, do engraxate que arrisca um sambinha de uma nota só no sapato do "Dotô", dos ambulantes e meretrizes da Rua Aurora... exatamente... número 69. Da população de meninos e meninas de rua que protagonizam qualquer enredo de mazela social e que imperam a Praça da Sé, do vai e vem, ufa!... De pessoas, cada qual com seu destino. A cidade acorda cedo. Num giro pelo centro velho e arredores, mais precisamente na Praça da República avisto uma aglomeração de pessoas atentas e curiosas, amontoando-se umas sobre as outras, muitas atrasadas para o trabalho, hoje difícil, para assistirem ao espetáculo, entre tantos. São artistas e saltimbancos, cantadores de coco, anônimos, migrantes do árido sertão nordestino. No picadeiro do calçadão o show vai começar! O protagonista vai saltar e projetar o corpo entre um arco de facas e lanças pontiagudas, o plaqueiro se esforça para dar uma espiadela. O ator prende, persuade a platéia, o suspense toma conta do episódio, momento ideal para angariar alguns trocados, o público é solícito e sempre colabora. Mais a frente outro amontoado de pessoas, pressupõe-se um novo espetáculo, não é! Trata-se de uma liquidação, dessas, tipo baciada. Adiante, e olha que rodei bastante pela city, já bem próximo do largo do café, indiferente e sem qualquer preocupação, um mendigo dorme tranqüilamente sob a marquise de um banco. Essa mega metrópole quatrocentona aponta para mais um dia de especulações e comércio agitados. Este é só o começo! O pastor protestante discursa, cético, algumas parábolas e passagens bíblicas. Promete ajuda e a salvação se alguém aceitar a Deus, fato ou doutrina o povo às tantas anda muito sofrido, mas não deixa de ter fé. São Paulo é assim, não pára! Nas ruas e avenidas congestionadas automóveis e motocicletas disputam, entre transeuntes e camelôs, cada espaço da urbe num balé frenético e ordenado. São onze horas da manhã, descompassada bateu a fome. Na placa a promoção: "CHURRASCO GREGO MAIS SUCO GRÁTIS 0,50". Barato e engana a fome, quem nunca provou? Experimente... é muito bom! Uma "muvuca" se formou quase que de imediato na Quinze de Novembro, uns corriam daqui, outros dali, a fiscalização da prefeitura fazia o "rapa". Alguns arriscavam uma fuga, às vezes, com sucesso. O show... tem que continuar! Fico só observando. Sorrateiro o malandro encosta, dois ficam no "bizú", como olheiros. Olha aqui, olha ali... sobre o caixote que trouxe consigo o malandro coloca três tampinhas e uma única bolinha, incrível a habilidade disposta, logo vai se formar uma rodinha de apostadores. - Olha a bolinha! Está aqui, não está! Cá está, lá se foi... Opa! Quem vai apostar? O malandro casa 50 pilas, quem apostar leva R$ 100,00 reais. Interessante! Pensei. O sujeito aposta, se vira pra tirar os R$ 50,00 da carteira e como num passe de mágica o "veiaco" some com a bolinha! Pois é... o azarão perdeu cinqüentinha. - Olha os "hôme" aí! Grita um camarada. Pura armação. Blefe! O malandro se dispersa entre o populacho. Sobrevivemos à dura realidade do cotidiano paulista, palco da cultura nacional. Entardeceu! O mendigo, agora embriagado, balbucia palavras e patavinas indecifráveis consigo, a solidão lhe impinge um amigo imaginário. A tenda circense, denotada nos calçadões centrais, aos poucos é desarvorada. Abrem-se as cortinas para o segundo ato do espetáculo, os protagonistas agora são outros, homens e mulheres travestidos, gigolôs, meretrizes, pitboys, punks e góticos, clichês do persuadido e requintado ode paulistano. A selva de pedra se destaca pelos feixes de luzes estroboscópicas de letreiros e luminosos, que adornam, agora, sua estrutura de pedra e aço. Nos becos destaque para botequins, inferninhos, lans e alternativos, mananciais dessa Ghotan City brasileira. Regida pela sinfonia desconcertante dos ruídos noturnos, a lua, velha conhecida, aparece tímida para alumiar as escusas e sombrias vielas dessa paulicéia desvairada. Nos guetos, onde imperam luxúria, requinte e status, a magia da noite paulistana é lembrada e idolatrada, mais uma vez, nas composições dos poetas contemporâneos. Roteiro sem restrições. Ao parafrasear o trecho: "Quem tem dinheiro bota a banca e vai gastar, uísque, caviar. Quem não tem vai de bar em bar, enche a cara de cachaça e manda pendurar..." , eis o retrato insólito da boêmia brasileira. Pelo menos para mim! Enfim, aproxima-se o final de semana! – Garçom, um chope, por favor! É... ninguém é de ferro. A lua, velha companheira, de tantas... baladas para ser mais "moderninho", brinca de esconder-se. "Mente quem diz que a lua é velha". Desculpem-me a "viagem", mas um belo par de olhos insinua algo... Um bate-papo, talvez um... - Ora deixa pra lá, isso é assunto pra uma outra história. Nota do Editor: Luís Carlos Reis é jornalista, recém-formado pela Universidade São Judas, com Bacharelado em Comunicação Social. Faz trabalhos autônomos para jornais institucionais e veículos impressos com publicações mensais, e trimestrais, como Literarte e Lero-Lero, onde colabora com charges, ilustrações, artigos e crônicas, às vezes poemas ou sonetos.
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