Escravizar os militantes, forçando-os a agir contra a própria consciência em nome da fidelidade a ideais alegadamente sublimes, é um procedimento-padrão dos partidos comunistas desde há mais de um século. Muitos observadores, de dentro inclusive, ficaram chocados ao ver como esse estupro da psique individual é eficaz, como ele produz e intensifica a devoção àquilo que minutos antes parecia abjeto e repulsivo. Com rapidez impressionante, os princípios morais da vítima são derrubados e substituídos por um novo padrão de segurança interior, baseado na obediência canina, embelezada por um sistema de pretextos ideológicos. Essa técnica de escravização mental não nasceu do puro empirismo, mas tem sólidas bases científicas. Primeiro, Ivan Pavlov demonstrou que cães submetidos a um bombardeio de estimulações paradoxais sofriam um colapso nervoso, que produzia a inversão geral de suas reações habituais: passavam a atacar o dono e lamber as mãos de estranhos. Mais tarde, Leon Festinger descobriu que, de cada cem indivíduos que aceitassem praticar atos contrários a seus princípios, mesmo por pura experiência, 82 acabavam produzindo a posteriori requintadas justificações que tornavam esses atos moralmente aceitáveis. São só dois exemplos. Os estudos a respeito são inumeráveis. Pouco a pouco, essas técnicas, inicialmente empregadas apenas com prisioneiros políticos, foram se expandindo para o uso em massa, não só no treinamento de militantes mas na educação em geral. Tendo reprimido e sufocado o clamor da sua consciência pessoal, o indivíduo passa a viver numa "segunda realidade" que, justamente por ser postiça, tem de ser continuamente reforçada por novos estímulos. Daí a peculiar intensidade emocional do discurso esquerdista, incomparável na expressão do puro ódio irracional apresentado como justo protesto dos humilhados e ofendidos. Ninguém, como aqueles que passaram por essa contra-iniciação, consegue ser tão persuasivo ao lançar, entre esgares de indignação fingida, os insultos mais estapafúrdios e as acusações mais patentemente falsas aos inimigos cuja destruição seja útil ao partido. No fundo, é claro, resta sempre uma pontinha de consciência de que a nova estrutura da personalidade assim produzida é uma construção de papelão, um simulacro improvisado para fins de estratégia ou tática partidária. A fragilidade psíquica por trás das caretas ameaçadoras é um dos traços mais inconfundíveis da militância esquerdista. Mas, no conjunto do esquema, essa fraqueza também tem sua utilidade. Tendo rompido o contato com sua consciência originária, o militante se torna inteiramente dependente do partido como base da sua segurança psíquica. Qualquer tentação de ruptura ou infidelidade aparece, então, como um risco psicológico temível, que deve ser evitado a todo preço, incluindo, se necessário, a total negação da realidade. As ondas de suicídios e internações psiquiátricas que se seguiram às revelações dos crimes dos partidos comunistas desde a década de 30 revelam até que ponto indivíduos de inteligência superior tinham se deixado escravizar à morfina da solidariedade partidária. Isso dá ao partido a certeza estatística razoável de que, entre os eventuais dissidentes e traidores, a maioria terá os nervos em frangalhos e qualquer denúncia que venha deles poderá ser facilmente impugnada como fruto do desequilíbrio e da loucura. Nada mais fácil do que desmoralizar o acusador em cujo rosto são visíveis as marcas da perplexidade e do desespero. A utilização sistemática dos hospícios como prisões para dissidentes, na União Soviética, foi só uma das aplicações diretas dessa observação. As campanhas de character assassination de ex-militantes arrependidos são outra. A técnica é, no fundo, a mesma. Lembrem-se disso quando lerem as reações dos envolvidos no mensalão às denúncias do ex-secretário-geral do PT, Sílvio Pereira. Nota do Editor: Olavo de Carvalho é jornalista e filósofo nascido em Campinas, Estado de São Paulo, em 29 de abril de 1947. Tem sido saudado pela crítica como um dos mais originais e audaciosos pensadores brasileiros. Professor de filosofia e diretor do Seminário de Filosofia do Centro Universitário da Cidade (RJ). Autor das obras "O Jardim das Aflições" e "O Imbecil Coletivo: Atualidades Inculturais Brasileiras". Editor do site Mídia Sem Máscara.
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