Com a inclusão étnica e republicana podemos transformar o Brasil
A camélia foi no Brasil do século XIX um dos símbolos da luta abolicionista e espécie de senha para identificação entre seus adeptos. No livro “As camélias do Leblon e a abolição da escravatura”, o historiador Eduardo Silva desvenda a participação de lideranças da sociedade e de escravos fugitivos na formação do Quilombo do Leblon, de onde saíram muitas das camélias que enfeitaram as manifestações de rua em 13 de maio de 1888, após a assinatura da Lei Áurea. Muitos abolicionistas eram também republicanos, regime de governo adotado um ano após o ato de abolição da escravatura. Seguramente não poderiam imaginar que, passados 118 anos, teríamos uma abolição inconclusa e um desrespeito aos valores morais e éticos da República, promovido por seus comandantes, o que nos leva a pensar que precisamos plantar ainda muitas camélias. Se para cada demanda de inclusão étnica ou republicana plantarmos uma camélia, o Brasil se transformará, infelizmente, em um grande jardim. Teremos parques dedicados aos que não foram reconhecidos como sujeitos de direito, com respeito as suas opções religiosas, particularidades, especificidades, desejos e esperanças. Da mesma forma, as lutas dos jovens afro-descendentes pelo acesso à universidade e por um ensino de qualidade estarão representadas em jardins entremeados por espaços para a livre apresentação de grupos de hip-hop e de tantas outras formas de interlocução cultural. As flores ainda em botões serão dedicadas às crianças negras, para que possam construir sua identidade e se orgulhar de suas origens. O mais denso parque de camélias representará os afro-descendentes que compõem os 69% dos indigentes brasileiros, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), realizado em 2000. As camélias de beleza mais desafiadora estarão nos jardins voltados à conquista da igualdade substantiva dos grupos mais vulneráveis: as mulheres, as minorias étnicas e as crianças de nossas periferias. Desafiando a biologia, jardins de camélias surgirão em tons de arco-íris. Mudas da flor poderão ser levadas para Genebra, para que, a partir dos jardins da ONU, se façam cumprir as Resoluções da Convenção sobre todas as formas de Eliminação e Discriminação Racial. De lá, elas serão replantadas nos 167 países signatários da Resolução. Os primeiros jardins inspirarão outros, porque enquanto cultivarmos as camélias ficaremos protegidos dos olhares ferozes do preconceito e nos embeberemos dos mistérios das pétalas da flor-símbolo dos abolicionistas. Surgirão praças com camélias entrelaçadas, expressando a democracia, a igualdade no exercício dos direitos políticos, civis, econômicos, sociais e culturais. O Brasil, enfim, será coberto por uma ação afirmativa simbólica. Nota do Editor: Clênia Maranhão é vereadora de Porto Alegre (RS).
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