No mundo capitalista, onde arte - de massa, em especial - é mercadoria, se costuma jogar uma avalanche de peças promocionais nas mais diversas mídias - jornal, rádio, televisão etc. - durante a fase de lançamento de filmes, espetáculos teatrais, discos - ou o que mais venha a ser encarado como showbizz e arte. O que se deseja, antes de tudo, é tornar a mercadoria conhecida para o consumo do público - o que é legítimo e natural, pois é o mercado quem remunera o artista. Êxito de vendas, sucesso na praça. No sub-capitalismo de Estado em que sobrevivemos o fenômeno ocorre por mimese, com uma diferença: na maioria dos casos - não todos - é o dinheiro do contribuinte quem financia o produto artístico (o que talvez explique o fato de, hoje em dia, no Brasil, todo mundo querer "abraçar o mundo das artes"). Assim, para lançar o CD "Carioca" (Biscoito Fino, R$ 54,90), Chico Buarque tem sido presença constante em todos os jornais da grande imprensa, concedendo entrevistas sobre os mais diversos assuntos. O músico - homem rico que tem apartamento em Paris, campo de futebol particular e mora (ou morava) em condomínio fechado e de luxo - mostra-se preocupado com os problemas sociais do Rio de Janeiro, em particular com a exacerbação da violência. É uma atitude louvável. Mas, ao que parece, o ilustre compositor pouco ou nada conhece de pobre ou de pobreza. Na revista de O Globo, por exemplo, ele diz: "Há sempre esse discurso perigoso dessa gente que bate no peito e diz que é ’de bem’ porque paga impostos... Como se o favelado, que não paga impostos, porque não tem de onde tirar, porque é trabalhador humilde, estivesse sempre ligado ao tráfico"... Aqui, o distinto pisa feio na bola. Com algum exagero, pode-se afirmar que só quem paga imposto no Brasil é o pobre (e, em menor escala, a classe média), e imposto elevado, quando compra pão, leite, um bermudão, sandália, um CD, um Melhoral, um botijão de gás, em suma, o diabo a quatro. Como qualquer interessado pode saber, o Imposto de Renda (talvez o alvo do compositor) representa apenas 18% do que o governo (corrupto e corruptor) arrecada na área fiscal: o grosso da grana é sacado de forma indireta, como tributo obrigatório, em cima das mercadorias indispensáveis a patuléia ignara. Há mesmo, no momento, a rodar pelos aeroportos do Brasil, uma exposição mostrando como é que o governo se apropria, em média, de 50% (às vezes, mais) do valor (preço) final da mercadoria. Desconhecer isso significa mendacidade ou ignorância. Em outra revista (Trip, de maio) o compositor fala do seu relacionamento com a droga: "Não experimentei tudo. Nunca fui na heroína, nunca me piquei. Foi o básico: fumei, cheirei, tomei ácido. E larguei tudo isso. Na verdade nunca fui um bom maconheiro (...) Posso eventualmente fumar aqui e ali, não vejo muito mal. Mas não sou adepto". Por não ver "muito mal" na maconha, Buarque se mostra favorável à descriminalização da droga. Ele parece sofrer a nostalgia de "um Rio onde maconha se compra na tabacaria e drogas, nas drogarias". Embora reconheça que "as drogas são um flagelo", entende que "o tráfico virou uma questão internacional". Aqui, para ser sincero, pensei que o grande compositor denunciaria, afinal, o devastador narcotráfico gerenciado pelas Farcs, as forças terroristas criadas pelo Partido Comunista colombiano e tidas como o principal agente abastecedor do tóxico no território nacional, mas qual o quê! O homem cita, de forma lisonjeira, o caso de Amsterdã, onde o sujeito "pode fumar maconha, mas não pode sair da Holanda com maconha". (Sei bem: há uma ala do liberalismo radical que admite o vício e a venda da droga como uma questão inerente à liberdade individual, pois o sujeito é dono do seu corpo e pode fazer dele o que bem quiser. Mas, ainda assim, fico pensando comigo como seria o Brasil aberto ao consumo do tóxico, dia e noite, com milhões de viciados internacionais desembarcando por terra, mar e ar para aqui atingir o nirvana, centenas de milhares de adolescentes e crianças drogados pelo meio da rua, os assaltos aos postos oficiais de distribuição da droga, a ação de um número infindável de quadrilhas agindo na venda paralela do baseado e da coca - e fico apavorado!) Se o Chico "economista" e "crítico comportamental" leva à perplexidade, o Chico "político" é pior e nos remete ao domínio da insensibilidade fanática (já escrevi sobre isso). Eis o que ele diz do presidente Lula, a quem o ex-secretário-geral do PT, Silvio Pereira, confere o grau de liderança máxima, ao lado de Dirceu, Genoíno e Mercadante, na condução do PT, o império de crimes e perversões infindáveis: "Lula não tem comprometimento nenhum com esse escândalo. Não posso imaginar que ele tenha tido conhecimento (...) E não sei o que há de legítimo nessa coisa de o governo Lula ser o mais corrupto da História. Como é que se mede isso?" É simples: basta juntar as cifras bilionárias arrastadas nos canais enlameados do Valerioduto, anexá-las aos desvios dos colossais dinheiros dos fundos de pensões, da Petrobrás, Banco do Brasil e estatais diversas, ensacá-los bem direitinho com o gigantesco aparelhamento do Estado pelas hordas predatórias do PT, em seguida amarrá-los com a liquidação sangrenta dos prefeitos Celso Daniel e Toninho do PT, ou com um pouco da grana da Telemar enfiada na empresa de Lulinha, o filho - e o distinto terá uma medida razoável para compreender, por exemplo, porque o relator do Conselho Federal da OAB, Sérgio Ferraz, considera que o governo Lula exala um "odor mais nauseabundo do que o da Casa da Dinda" (ou do que as privatizações do FHC, mentirosas todas, digo eu, visto que foram apenas repassadas aos fundos de pensões das corporações estatizantes, hoje a serviço de Lula). Nota do Editor: Ipojuca Pontes é cineasta, jornalista, escritor e ex-Secretário Nacional da Cultura.
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