Lembro dos filmes feitos nos anos 60 e 70, retratando o tédio da sociedade européia. A vida despida de desafios, a rotina convertida em tormento, as empresas que reconheciam o dia da semana pela gravata do patrão, a sexualidade burocratizada, o estresse da falta de estresse. Os ladrões na cadeia e os honestos nas ruas. Tudo tão certo que parecia errado. Posto que no Brasil a rotina é o desassossego, o Walter Hugo Khoury nunca foi muito convincente ao filmar situações daquele tipo em ambiente nacional. Mas se não morremos de fastio podemos finar-nos de susto. Enquanto o Primeiro Mundo conseguiu livrar-se até mesmo da Guerra Fria, nós não conseguimos nos livrar do Plantão do Jornal Nacional nem da capa da Veja. A propósito, você já pensou, leitor, sobre o quanto deve ser aborrecido o Jornal Nacional da Suíça, noticiando coisas como a tendinite do regente do coral da Basiléia? Ou o Canal 40 da Noruega, com imagens exclusivas da visita dos produtores de cevada ao primeiro-ministro Bondevik? Nossa agitação é própria de país "em vias de desenvolvimento" (expressão politicamente correta e estimulante com que se designava o Terceiro Mundo naqueles anos bem-educados). No Terceiro Mundo descumprimos as leis (um pouco menos, talvez, do que aqueles que as fazem), gastamos horas assistindo o festival de mentiras das CPIs e cremos que é apenas através de um gasoduto e não pelo mesmo sistema político, afinidades ideológicas e grande estima aos demagogos que estamos conectados com a Bolívia. O leitor talvez se indague: mas o Brasil, este Brasil próspero do governo Lula, com sua acatada autoridade internacional, ainda integra a comunidade terceiro-mundista? Claro, assim como existe o mundo do aquém e o mundo do além, há um mundo e um submundo. E a grandeza de um é inversamente proporcional à do outro: quanto mais se avança na escala do submundo, mas se recua na escala dos mundos. Portanto, o Brasil é Terceiro Mundo devido ao porte do seu submundo. Um país onde o submundo comanda o governo e controla, durante anos, o partido do governo, um país onde o submundo, se fosse um império, seria a pedra preciosa mais visível da coroa, tem um submundo de primeiríssimo nível, classificando-se no pior dos mundos. Augusto Comte afirmava que os vivos são cada vez mais governados pelos mortos. Eu discordo. Creio que os mortos nada governam, mas sustento que o Brasil é, cada vez mais, governado pelo seu submundo. Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública.
|