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Crônicas
28/05/2006 - 18h06
Ideário bicho grilo
Lizoel Costa
 

Eram os anos setenta. Minha ingenuidade política ainda dormitava nos arredores das evidências. Corria 72, era Médici, e o medo nas entranhas... Um outro país amordaçado já se escondia do furor reacionário que assolava uma nação perdida nos escombros da explosão de 68.

Hoje me pergunto: Como sentir saudade dos anos setenta? Mas ficou. Calças Boca-de-sino, primeiros cigarros e o rock era privilégio de guetos de iniciados. Um pouco antes, e logo de cara os Beatles chutam o balde e fecham a tampa. Dão um basta e já partem, com Lennon trancando a porta e dizendo "O sonho acabou".

Para eles. O meu estava só começando. Adolescência e seu furor, rock pesado, Baianos pós-tropicália, Dunas da Gal... Eram os anos setenta que me arrancava do marasmo de cidadão classe-média e improdutivo. Hoje os vejo como uma pausa do tempo em minhas mãos, preenchida pela contagem de todas as horas de minha vida. Eu, sonhador, ignorante de utopias, que queria mudar o mundo e achava, por conta dos ecos da era hippie, que o amor venceria a força bruta.

Assim caminhávamos pela rua em grupos, quixotes de nossa insignificância, onde o único escudo protetor era o sonho. Óculos de aros redondos, jaquetas do exército, a velha calça azul e desbotada. "I can’t get no, satisfaction". Assim íamos tentando construir nossa primavera, mas sem saber ao certo o futuro das estações de nossa esperança.

Anos setenta. Agora sei muito mais do que não deveria ter feito, mas sem arrependimentos.

Um país paralelo fervilhava, nas Dunas do Barato e eu a acompanhá-lo nos textos de Luiz Carlos Maciel na Rolling Stone Nacional e do Bondinho, sonhando uma nova consciência que já brotava do universo dos meus medos.

Apesar do medo, as descobertas eram infinitas. Começava nas bancas de jornais, um porto de apurar o viés político através de "O movimento", buscando formas de voar. Como fundo, uma música feroz rugindo pelo som ainda incipiente de nossas guitarras, habitando nossos olhos postos e os sentidos de não haverem distância, apesar do pouco que conseguíamos avançar.

Eram anos setenta. Meu país querido não vencia os passos da mudança. Os ventos, dispersos na alma do tempo, traziam as novas das terras longínquas. Segredavam-se em noites e dias a todos os homens, em outros mares e em todos os portos, num destino comum.

Caia na estrada e perigas ver... O perigo estava mais perto de meus olhos do que imaginei naqueles anos de chumbo, e eu atravessando os dias, nas folhas desconhecidas de Hesse e Castañeda, confortando-me com o amor ideal nas horas do desejo, com o mesmo requinte que bebia o vinho do desconhecido, não apenas para matar a sede, a fome ou a falta de horizontes. Queria forjar minha coragem no segredo de me ver atravessando horizontes e tal qual o louco montado no Rocinante de um Quixote preguiçoso a atravessar as barreiras do medo. De longe, fora do tempo convencional, tremularia minha bandeira ao sabor de outros ventos.

Foi-se há muito os anos setenta. Mas eles continuam ainda como fantasmas de esperança em meus sentidos de homem. Os amigos queridos, perdidos em outras paradas devem pensar também como eu. Homens feitos, com filhos, netos e uma década inteira guardada como um tesouro num cofre situado no velho coração sonhador de cada um de nós, à espera inútil de ser aberto um dia.

Vivo a sede de não morrer por qualquer ironia do destino e vou desfiando essa rota de barbantes como em um filme, na cena onde busco torres imaginárias a serem desbravadas, sabendo que a qualquer momento um diretor autoritário vai gritar: "Corta!".

A la Buñuel, atravessarei a tela, darei um sorriso ao vivo, no apagar dos refletores do set e tentarei mais uma vez, agarrar o futuro como luz de laser, numa velocidade onde o sonho cria lodo a cada manhã vencida e as palavras que mal nascem já apodrecem em limo do passado.

Novo século, nas rebarbas das revoluções que se foram, tento carregar a saga de uma geração que ainda acredita em erguer a taça a todas as lembranças... Sad Song... Como um Lou Reed chapado varando dias e sonhando o avesso da miséria, meu ideário bicho grilo nunca foi fechado. Ainda que as teias do tempo não me fizessem mais consultá-lo, ele continua guardado em algum poço oculto de meus medos.

Vivi o sonho que Lennon enterrou aos meus olhos estupefatos, quando ainda tentava entender a história de um país perdido nas marés e vazantes de gente amordaçada. Minha ingênua tolerância delimitava as cores do futuro e continuei cavando trincheiras, a despeito de questões menores, e ao despropósito das histórias mal escritas.


Nota do Editor: Lizoel Costa é jornalista e produtor da Rádio FM Regional (MS).

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