Há alguns dias (talvez dois ou mais) estava eu indo, um pouco contrariado é verdade, de Olaria a Copacabana, viajando num confortável banco de um não tão agradável ônibus. Por tê-lo pego no ponto final e tratar-se de um sábado frio, o coletivo partiu quase vazio. Escolhi o melhor lugar para seguir viagem, o banco mais alto e na janela (de onde poderia ver melhor a desigualdade do nosso país, precisamente do Rio de Janeiro). Peguei então uma apostila de informática e, mergulhado no "mundo.com", usufruí da tranqüilidade da viagem, que seria longa. Essa tranqüilidade me foi quebrada na Avenida Brasil, quando entraram duas crianças (sozinhas) passando juntas pela roleta. Pagaram uma só passagem e vieram em direção ao fundo do ônibus, próximo a onde eu estava sentado, quieto, tentando estudar. "Moço, deixa eu ir na janela?" - perguntou, sem a menor cerimônia, a menininha que mal sentara ao meu lado. Neguei, alegando que havia tomado o ônibus no ponto final só para vir na janela. Ela não desistiu : "Cê tem moedinha?". Acho até que tinha, mas também disse que não. Foi aí que ela começou a me ganhar. "Também aceito vale, viu?". Pior que eu também não tinha, daria se tivesse. Tentei voltar à minha "roubada" concentração, receoso do que a tão mal-vestida criança poderia fazer em seguida às minhas três negações. E não demorou muito ela interferiu no meu estudo, me perguntando o que estava lendo, se podia ler pra ela. Comecei a explicar sobre algarismo romano. "Nunca ouvi falar nisso, algarismo humano". Ri, baixinho, de surpresa com a inocência da criança e resolvi então mudar de assunto. Falamos de futebol, precisamente do clássico Flamengo x Vasco, que aconteceria naquela tarde e que já causava um leve engarrafamento no centro da cidade. Ela não se fez de rogada e me disse que já havia ido ao Maracanã com seu pai e que pagou R$ 32,00. Tentei voltar à minha conexão com a apostila, foi quando aquela mãozinha apontou (e mexeu) numa verruga de infância que eu tenho no pescoço. "Isso dói? Por que você não tira isso?". Desisti, guardei a apostila e perguntei se ela sabia do acontecido com "aquele cantor famoso, que estava em coma no hospital...". "O do LS Jack?", perguntou. Engoli em seco, concordando e espantado com o seu conhecimento das atualidades. Dei então R$ 0,80 a ela e disse-lhe que faltavam R$ 0,70 para pagar outra passagem de ônibus. Na mesma hora cutucou uma jovem que estava sentada à nossa frente, ao lado do irmãozinho dela, que olhava pela janela fixamente. "Moça, tem moedinha, só 70 centavos p´reu pegar outro ônibus com meu irmão? Enquanto a "moça" procurava na bolsa, passou para o banco à frente dela e, de joelhos, iniciou uma vasta conversa com a passageira. Fiquei admirando a impetuosidade da menina, a sua desenvoltura ao falar sobre qualquer assunto. Próximo ao shopping RioSul (onde ela me disse que desceria) perguntou : "Moça, você quer ser nossa mãe?", deixando a jovem sem resposta e a mim com água nos olhos. E desceu, de mãos dadas não com o irmão, mas com a "moça". Acenou pra mim me agradecendo e sumiu, pequena, em meio á pequena multidão. Dou-me conta agora que nem perguntei seu nome. Tadinha, deve ter ficado chateada naquele dia. Nosso Flamengo perdeu. Nota do Editor: Julio Cesar Avila mora no Rio de Janeiro, tem 24 anos e está no 5º período de Jornalismo. Mantém o blog www.juliovisao.blog-se.com.br.
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