Espremeu com força o tubo de detergente na esponja. As poucas gotas não eram suficientes para tantos pratos. A gordura parecia inserida na fabricação daquela louça barata. Colocou o braço dentro da pia, até quase a altura do cotovelo. Sentia nas mãos os restos dos alimentos que flutuavam na água. Engolia a ânsia com secura, como fazia tantas vezes todos os dias. O avental que ela usava era manchado, roto, com os bordados se desmanchando. Ela mesma o tinha costurado tantas vezes, cada remendo com uma tristeza sem fim. Pensou no zelo que nunca teve com as coisas de casa, o cuidado que desperdiçou com aquela vida que não escolheu para si. Ouvia da cozinha o som da televisão ligada. Estava no volume exato para abafar soluços de um choro caseiro. Lavava a panela do feijão com as lágrimas ácidas da existência cretina. Passou o braço no rosto para se enxugar. Engordurou parte da testa. Deu pequenos passos para ver o que acontecia na sala. Ali, um marido jazia no sono do almoço farto, fugindo, quem sabe, da consciência da inutilidade. Era de esperar. Voltou à pia. Apertou de novo o tubo de detergente na esponja. Dessa vez o produto não dava nem para desgrudar do frasco. Surpreendentemente, uma bolha de sabão se formou e nasceu do plástico. Flutuou inocente por alguns instantes, mais leve que o ar. Passeou perto da janela da cozinha, dançou com pouca alegria e tão rápido se estourou. E a mulher, respirando pela boca, encheu-se de uma alegria nunca antes sentida. Poderia tudo, naquele instante. Era tão bonita que exalava um cheiro de flor. Começou a se movimentar com graça entre a mesa e o fogão, dando passos de bailarina. Cantarolava uma composição desconhecida, a música que tocava dentro dela. E foi perdendo peso e ficando cada vez mais distante do chão de linóleo. Quase encostava nos azulejos e com calma manobrava o corpo para não tocar em nenhuma superfície que pudesse acabar com o seu reinado. Produzia um zunido baixo e agudo, que despertou o homem na sala. Ele veio devagar para descobrir a fonte daquele barulho de inseto, aquele som incógnito. Quando entrou no cômodo viu a esposa suspensa no ar, de olhos fechados, tão imersa em si mesma. Silenciou constrangido por observar um momento tão íntimo. Ela era a própria bolha de sabão. Fascinava pela delicadeza e fragilidade. Subitamente ela acordou e viu ali, boquiaberto, o esposo. Antes de imprimir qualquer reação, estalou os olhos e prendeu a respiração. Estourou-se ali, naquele domingo, com a cozinha por arrumar. Nota do Editor: Fernanda Vicentini é jornalista.
|