Cada um decidiu pelo assassinato do outro - o Repórter não tolerava mais o Assessor de Imprensa e o Assessor de Imprensa não tolerava mais o Repórter. O Repórter considerou que a conseqüência de seu ato melhoraria seu trabalho, já que não haveria mais o Assessor de Imprensa entre ele e as fontes. O Assessor de Imprensa também previu uma melhoria em suas atividades, já que não haveria mais o Repórter entre ele e os editores. O Assessor de Imprensa planejou tudo com um detalhamento rigoroso. Preparou um planejamento estratégico com dúzias de tópicos descrevendo suas ações. Ele considerou a melhor data para o ato, possibilidades de álibi, fatores positivos e negativos, que arma usaria, onde aconteceria o crime, indicadores estatísticos, gráficos de probabilidades e criou um cronograma colorido, em um arquivo Excel. O Repórter planejou tudo com um detalhamento rigoroso. Fez uma pesquisa minuciosa na Internet sobre assassinatos recentes, perfis de criminosos e de assessores de imprensa. Copiou, colou tudo em um arquivo Word e imprimiu. Rabiscou nas laterais e nos versos das folhas algumas idéias, colou lembretes amarelos em cima de frases grifadas com marca-texto e, em seguida, começou uma leitura diagonal de Dostoievski na fila do cinema. O Repórter recebeu uma ligação do Assessor de Imprensa, que lhe prometia um furo. Na cabeça de cada um, vale a observação, o termo parecia conter outro significado. Acordaram que a conversa não deveria acontecer por telefone e decidiram almoçar na semana seguinte, apesar da consideração do Repórter de que o ideal seria marcar "para ontem". O Repórter sugeriu um boteco na região do meretrício. O Assessor de Imprensa sugeriu um restaurante da região nobre da cidade, mais discreto e reservado. Ainda sem a decisão, disseram em uníssono "a gente vai se falando" para acabarem por definir, é claro, o local exato do almoço minutos antes do encontro. Em cinco dias, tratariam dos furos em questão e das tentativas de assassinato. O Assessor de Imprensa recebeu, por e-mail e instantes depois de notar na agenda a data do almoço, a notícia de que "devido a uma reestruturação interna da companhia", ele já não era mais o profissional de comunicação da casa. A empresa buscava um assessor de imprensa "com um perfil de repórter", desqualificando sua formação em jornalismo. Telefonou de imediato para um colega jornalista, que o indicou para trabalhar em um jornal diário. Dois dias depois, o Assessor de Imprensa se tornou repórter. "Devido a uma reestruturação interna da companhia", o Repórter também foi demitido e substituído por um estagiário, no mesmo instante em que recebeu a notícia. Telefonou de imediato para um colega jornalista, que o indicou para trabalhar em uma agência de comunicação. Três dias depois, o Repórter se tornou assessor de imprensa. O ex-Assessor de Imprensa se viu no novo emprego sem tempo adequado para produzir um texto. Ele não podia mais utilizar adjetivos. O gerúndio era sumariamente cortado dos textos pelo editor. Ele não tinha tempo para planejar. Ele não tinha mais acesso a informações privilegiadas. O ex-Repórter se viu no novo emprego sem tempo adequado para produzir a quantidade solicitada de relatórios. Ele não podia mais deixar de evidenciar as fontes. O gerúndio era sumariamente incluído nos textos pelos clientes. Ele não tinha tempo para apurar. Ele não podia mais publicar informações privilegiadas. O ex-Assessor de Imprensa cometeu suicídio no banheiro de um pequeno bar na periferia da cidade, depois da tentativa de telefonar para o ex-Repórter, que acabara de se jogar da décima primeira janela de um edifício da região nobre da cidade. Nota do Editor: Robinson Machado é jornalista pela Faculdade Cásper Líbero. É assessor de imprensa na MVL Comunicação e atende o Hospital Sírio-Libanês há cerca de um ano. Já editou a revista de negócios Hera Cosmética e passou pela agência Officecomm e Revista dos Eventos.
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