Letargia. Essa talvez seja a melhor palavra para definir a reação do povo brasileiro frente aos desmandos que nossos representantes populares têm praticado no Planalto Central. Que o povo brasileiro seja um povo pacífico por natureza, vá lá. Entretanto, que passemos de um escândalo a outro, sem esboçar uma reação popular de peso, que gere no mínimo uma comoção nacional e interfira nas posturas daqueles que julgam sem julgar, em um circo armado - ou em vários, como foram os das CPIs - isso já é letargia. E patológica. Enquanto se debate a Copa do Mundo nas mesas de bares ou nas rodas de amigos, deputados formam grupos de interesses. Negociam-se dentro dos bastidores do poder, nesse momento, alianças que irão interferir nas eleições, com composições de arquiinimigos políticos, os quais, para garantir um "pedacinho" do bolo, enganam seus eleitores e traem seus princípios mais básicos. A ética se torna um selo de valor relativo. Serve apenas como marketing político para discursos inflamados nos palanques. Permanecemos letárgicos, observando os mirabolantes projetos que irão garantir a manutenção do despreparo e da usura no governo do país - Fome Zero com destinação de R$ 0,17 por criança cadastrada; Bolsas de estudo com valores de repasse para os estudantes que entraram nas universidades por cotas atrasadas, em alguns casos, há seis meses; saneamento dos gastos públicos para "inglês ver", como já se dizia; e política austera, com membros do governo envolvidos em mais e mais negociatas, que a imprensa já está cansada de denunciar, semanalmente. Já foi bingo, mensalão, ambulância. E a "pizza" continua. O povo inerte, idem. Há uma sensação de que já nos habituamos com tais escândalos e de que estamos tragados pela sensação de banalidade. Onde estaria o brio do povo? Assistimos a uma onda de violência, perpetrada por aqueles que verdadeiramente detém o poder dentro de uma sociedade que está desamparada, abandonada por anos de descaso de governos que mais estavam interessados em arrumar suas próprias casas - literalmente - do que em fortalecer uma política de unificação nacional, com crescimento sustentado, políticas econômicas de valor, geração de oportunidades de emprego, renda e desenvolvimento industrial. O país vive uma história provinciana, daquele povinho em sua cidadezinha caricata, com seus políticos mais caricatos ainda. Somos o Zé Povinho que é fácil de enganar. Em palanques de outrora, ouvíamos as mesmas ladainhas de agora. Dos palanques de outrora, saíram os mesmos falsos representantes do povo que saem agora. Dos mesmos palanques brotaram as mesmas promessas que até hoje não foram nem serão cumpridas. A estratégia "pão e circo" já funcionava em Roma, séculos atrás. Aqui, nem bem se tem o pão. Afinal, o Fome Zero é outra falácia. Há, entretanto, o circo, instalado no centro do Brasil, com suas largas lonas estendidas por todos os Estados. A única coisa que ainda está fora de lugar são os "palhaços" - que deveriam estar na arena e estão sentados na platéia. Letárgicos. Nesse circo, surgem a cada dia novas e escandalosas "piadas". Outras tantas não vêm à tona, pois até mesmo quem deveria denunciá-las pode estar comprometido com seus resultados. A corrupção não deve ser a palavra determinante na história que o país vem escrevendo, assim como não pode ser inerente às relações humanas o fator "interesse próprio". Uma análise de nossa sociedade se faz necessária. Precisamos saber se esse sono profundo é uma resposta reconfortante à situação calamitosa em que o país se encontra ou se, temerariamente, a letargia vivida hoje está enraizada, transformada tristemente em mais uma característica cultural nacional. Nota do Editor: Daniel Augusto Maddalena é consultor especialista em cooperativismo.
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