Amanhã o Brasil entra em campo para o campeonato mundial de futebol de 2006. Vai com fama de favorito, o melhor jogador do mundo, time completo de craques e um aparato digno de potentados. Dos 23 jogadores brasileiros, 9 têm - ou estão em vias de ter - dupla nacionalidade. São ricos cidadãos europeus. Sabiam disso? A lógica, coerência de raciocínio e de idéias, é que dê Brasil no final, mas futebol é arte, muito mais do que qualquer coisa. E a arte não se faz com coerência. Ao contrário, a arte é desobediência ao previsto, é encontro da inspiração e desafio da não mesmice. Por este lado, o da arte, o Brasil também tem grandes chances, alguns jogadores desequilibram pelo estilo peculiar, capacidade de improvisar e a quase perfeição da ousadia, mas temo pelo burocratismo do Parreira, um cruzamento de monitor de auto-ajuda com bedel de internato antigo. Vejam uma frase dele: "Não sou técnico de futebol, sou gestor de talentos". Talento não se administra. Nós, brasileiros, sedentos por ídolos novos, pois decepcionados com os que temos, investimos emocionalmente nesse evento que é uma grande festa mercadológica, antes de ser um fato esportivo relevante. As somas gastas com publicidade são indescritíveis e os jogadores das seleções principais têm status de astros de cinemas em pleno festival de Cannes ou na entrega do Oscar em Hollywood. A partir de terça-feira, o Brasil entra em estado de prontidão, a espera do sucesso em cada jogo e a vitória sempre será encarada como natural, merecimento, honra, capacidade e posicionamento no mundo. A vitória pode até ser tudo isso, mas não permite que a glória efêmera resolva as questões que temos em aberto, não deve nos cegar e só enxergar o que a televisão mostra de forma ufanista. Um país que tem a sua Câmara de Deputados invadida em um quebra-quebra ainda está longe de ser o que imagina que é. Claro que estarei torcendo e esquecerei, por horas, a razão que nos move, e esperarei pelos nossos gols, esse instante mágico em que, por segundos, a bola deixa o campo de jogo e aninha-se dentro de uma rede como se tivera cumprido uma missão fugaz e gloriosa.
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