Pedro correu em direção à bola. Gustavo parou e observou. No final de tarde a garoa insistia em cair. A bola rolava no campo de terra desde cedo. Aranha era o goleiro instransponível. Cebola o grande artilheiro. Incansável e imprudente. Girava em cima da bola. Lembrava um bailarino russo. Bolacha um negro gordo, jogava atrás. Tóia, magro, moreno, rápido e encrenqueiro. Completava o grupo de moleques. O objetivo: correr atrás da bola e se distrair, rir, curtir, aproveitar a infância. Essa também é a única maneira possível. O calçado é a sola gasta e dura dos pés pequenos, tamanho mais ou menos 35. Todos vivem há mais ou menos dez anos. No instante que Pedro correu e Gustavo parou. Tóia olhou para Bolacha, que por sua vez também parou. O encontro entre as duas crianças foi rápido e seco. Bolacha nem se mexeu. Mas Pedro bateu com o peito no cotovelo do jovem menino gordo e negro. Cebola apenas pôs as mãos na cabeça. Tóia gritou. Um grito estridente. Gustavo correu. Bolacha virou. Tóia se agachou e chorou. Pedro desfalecido tremia. Gustavo o acudiu. Bolacha também. Aranha sumiu. Cebola também. Tóia correu em direção à sua casa. Tina chegou gritando e viu a terrível cena. Pedro no colo de Gustavo. Bolacha corria para um lado e para o outro. Tóia chorava em casa. Tina tirou o pulso do garoto inerte. Ele ainda batia. As pupilas estavam dilatadas. Bolacha desceu e chamou seu Chico. Tóia não conseguia falar. Gustavo foi parado pelo seu Chico. - Eu acho que ele se foi. - Como assim? - Ele bateu no Bolacha. - Mas por que? - Foi do jogo. - Vocês só fazem merda. - Não foi culpa minha. - Chico, pega aqui, não agüento mais. - Oh, Tina você não precisava trazê-lo. - Como não? - Ele já se foi. - Não foi não. - Vixe Maria vamos correr! Gustavo estava tenso. Bolacha parecia um fantasma. Tóia estava descabelado e mudo. Tina eufórica com o resgate. Chico desceu com Pedro no colo, pediu para o Ademar abrir o carro. Eles se foram. - Seus filhos da puta. O que vocês fizeram? - Eu não fiz nada - Gustavo e Bolacha responderam. Tóia ficou mudo. - Fala seu moleque atentado. Pode falar se não o chicote vai estralar para o seu lado. Uuuuuuuu. Fala sua peste. O que você fez. Uuuuuuuu. - Você está doida Tina. Ele não consegue falar. - Caralho, é verdade! - É, sua anta! - Vamos pro hospital. Tina desceu as escadas e chamou Arcanjo. - Vamos levar o Tóia para o médico. - O que ele tem? - Não fala. - Como assim? - Vamos, orra! Lá se foram. Tina, Arcanjo, Tóia, Gustavo e Bolacha. - O que esse moleque tem? Vai, me fala. - Isso mesmo sua besta. Não percebeu? Ele não fala. - Uuuuuuuu. Uuuuuuuu. Calma, já estamos no hospital. - Vixe, Bolacha, não é o Pedro na maca?! - É. - Nossa ele está azul! - Não, está verde. - Pô ele vai morrer! - Cala boca pivete! Vai nada! - Como você sabe Tina? - Porque eu sei. Uuuuuuuuu. Seu Chico como ele tá? - Ah menina, não sei. Ele acordou, mas não conseguiu falar. - Vixe tá igual ao Tóia. Tóia chega próximo. Pedro olha pra ele. Os dois se observam e parecem conversar com os olhos. E dizem, simultaneamente: cadê a bola?! Nota do Editor: Willian Novaes é jornalista.
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