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Crônicas
18/06/2006 - 21h28
A arte da escolha
Deonisio da Silva
 

Uma antologia dos destrambelhamentos famosos, das inconformidades célebres e das rebeldias inolvidáveis estaria repleta de gênios em todos os campos.

O teólogo, filósofo e cientista Emanuel Swedenborg, que viveu no século que Saint-Just quis pôr no panteão, o XVIII, e cujas desconcertantes ilações são tão apreciadas, sobretudo na Inglaterra e nos Estados Unidos, e que teve na Argentina um admirador emblemático, o escritor Jorge Luís Borges, concluiu depois de muitas pesquisas e outras tantas revelações que o céu está proibido, não aos maus, mas aos bobos. E por quê? Porque a maior ofensa ao Criador de obras tão complexas como o universo e todos os mundos seria deixar de apreciar, por falta de entendimento, a beleza do Paraíso. Apenas por isso é proibida aos ignorantes a entrada no reino dos céus.

Galileu Galilei desafiou o Papa, mas é o pai da Física. Michelângelo Buanorotti fez mais do que isso: discutindo arte e arquitetura com quem só queria saber de poder, esbofeteou o Sumo Pontífice. Jesus foi insolente com os todo-poderosos mercadores do templo de Jerusalém e, ainda que ferido, espancado e humilhado sob uma coroa de espinhos, encarou o procurador do império mais poderoso do mundo.

César, bissexual convicto, ia para a frente da batalha pedindo aos soldados veteranos que ferissem os jovens soldados de Pompeu no rosto, porque eles eram bonitinhos e isso os encheria de pavor, mais que o terror da própria luta. Além do mais, desobedeceu ao Senado e atravessou o Rubicão, proferindo a frase famosa: a sorte foi lançada.

Dom Pedro I desobedece às cortes portuguesas e proclama a independência no Brasil. Sua neta, a princesa Isabel, desobedece a conselheiros e amigos do pai e abole a escravidão.

O marechal Deodoro da Fonseca é monarquista, mas proclama a República.

Getúlio Vargas desafia e depõe o presidente Washington Luís, lidera a Revolução de 1930 e funda o Brasil moderno.

Machado de Assis, que era preto, pobre, órfão, epiléptico e gago, fere com sua ironia silenciosa o estilo untuoso dos mais aclamados beletristas nacionais, dá um pau crítico em ninguém menos do que Eça de Queiroz e constitui-se na maior referência da literatura brasileira em todos os tempos.

Passemos ao futebol, nosso porto de chegada para essas metáforas. Garrincha não toma conhecimento de quem são seus marcadores. E para ele não faz diferença se entre os que admiram suas jogadas estão pobres brasileiros para os quais a única alegria semanal era vê-lo jogar ou se na tribuna de honra está a rainha da Inglaterra. Didi, num momento de conflito generalizado em campo, abandona a elegância que o consagrara e parte para golpes de capoeira. Pelé, cansado de ser batido e quebrado, bate e quebra. Gérson fez coisa parecida.

Longe do signatário destas linhas defender a porrada como instrumento de resolução dos conflitos. Mas heréticos e rebeldes como os citados o fascinam. Agora, dizei-me: o poder estivesse com um burocrata e não com o Papa na Santa Sé, Michelangelo seria aprovado? Um consultor indicaria o nome de César para comandante supremo do exército romano?

Para aceitar o gênio, é preciso ter um mínimo de modéstia e reconhecer que são melhores do que nós em domínios específicos. Ou, na feliz síntese de João Saldanha, quando questionado por ter convocado um jogador que vivia na noite: "Para marido de minha filha, não; mas naquela posição ninguém joga melhor do que ele!".

Quem já não saiu de uma enrascada por ter ousado inventar? A seita dos monótonos, que só diz e faz o que todo mundo autoriza, está fadada a repetições entediantes. Foram rebeldes e heréticos que tornaram melhor este mundo.


Nota do Editor: Deonisio da Silva é escritor, Doutor em Letras pela USP, autor de 30 livros, alguns transpostos para teatro e TV. Assina colunas semanais na Caras e no Observatório da Imprensa. Dirige o Curso de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá, no Rio.

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