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Crônicas
24/06/2006 - 12h24
Mulheres arteiras, mulheres artistas
Moacyr Scliar - Agência Carta Maior
 

Não tenho dúvida em classificar Maitena como uma artista, uma grande artista. Não só por causa do traço original, como também pela temática: ela retrata, como poucos, as agruras e as atribulações da mulher moderna. E artista é isto, uma pessoa capaz de refletir o mundo em sua arte.

Existe outra razão para admirarmos Maitena: é uma das poucas mulheres a fazer cartum. Evidência de um fato perturbador: a presença feminina nas artes nunca foi muito grande, nem mesmo no Renascimento, que viu uma verdadeira explosão artística na Europa. As poucas pintoras que então surgiram eram ou filhas de artistas, treinadas no ateliê de seus pais (o caso de Marietta Tintoretto, filha do pintor de mesmo nome – um nome, aliás, condicionador de destinos), ou então moças de origem nobre, cuja habilidade artística podia ser apresentada como prova de uma fina educação. De qualquer modo, essas carreiras eram freqüentemente curtas e terminavam com o casamento.

Nem só nas artes as mulheres estavam ausentes. O mesmo acontecia na política, na administração pública ou privada e até mesmo na grande culinária: os chefs que passaram à história eram principalmente homens. A pergunta é: por quê?

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No ano passado, o presidente da prestigiosa Harvard University, Lawrence H. Summers, desencadeou uma tremenda controvérsia quando declarou que diferenças inatas entre os sexos podiam ser a razão para a escassa representatividade das mulheres na área científica. Não é difícil imaginar que alguém aplique o mesmo raciocínio às artes: mulher não pode ser artista, como não pode ser cientista, porque não tem cabeça para isto, ponto.

Esta tese pode ter alguns elementos de verdade. Do ponto de vista cerebral, e segundo pesquisas, homens e mulheres são diferentes. Mas diferença não quer dizer inferioridade ou superioridade, diferença quer dizer apenas isto, diferença. Homens e mulheres diferem na maneira pela qual calculam o tempo, estimam velocidades, orientam-se no espaço, visualizam objetos. Em algumas destas áreas a habilidade masculina pode ser maior; mas, por outro lado, mulheres são melhores que o homem em reconhecer a conotação emocional de atitudes e da linguagem. Mais importante, as mulheres são melhores na avaliação estética, no domínio da palavra. Isto sugeriria uma capacidade maior para arte. Que, ao longo do tempo, raramente apareceu. De novo, se impõe a pergunta: por quê?

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A resposta é mais social do que biológica, e deriva da clássica divisão de papéis na sociedade. Ao longo dos séculos, as mulheres tinham de se ocupar em ter bebês, em cuidar da casa, em lavar roupa, coisas assim. Mulher fazendo arte era sinal de excentricidade, de uma cabeça arteira, não artística. Neste sentido, é muito sugestivo o título do livro em que Sandra M. Gilbert e Susan Grubar estudam o papel das escritoras na literatura do século 19: Madwoman in the Attic, A Louca no Sótão. As autoras falam daquela mulher que, depois de limpar a casa, fazer a comida e colocar os filhos para dormir, subia para o sótão sempre presente em casas americanas e européias e ali entregava-se à devassa prática da poesia ou do romance. O exemplo clássico é Emily Dickinson (1830 – 1886), que, aliás, nem se casou e cuja vida sexual é um mistério. Dois versos seus retratam a maneira como possivelmente via sua poesia: "This is my letter to the world, / That never wrote to me" (Esta é a minha carta para o mundo / que nunca me escreveu). Ou seja: literatura como monólogo, como secreta expressão de sentimentos.

*

Mas o mundo mudou. As mulheres já não se resignam a ficar em casa, cozinhando, lavando roupa e tomando conta das crianças. As mulheres vão à luta. Pagam seu preço, mas enfrentam as dificuldades. Disto Maitena dá testemunho, tanto em seus cartuns como em sua própria atividade artística, que, aliás, é o resultado de uma constante luta. Maitena escreve, sim, para Emily Dickinson, para Marieta Tintoretto, para as loucas no sótão. E seu trabalho é para nós fonte de encanto e de emoção.

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