Juan mora no Rio de Janeiro há 30 anos. Integrou-se tão bem que é como se tivesse nascido ali. Caminha pelo calçadão, joga futevôlei na praia, assiste novela. Mas, por um desses acasos da vida, nasceu bem longe do Rio, na cidade de Panajachel, na pequena Guatemala. Esse é um assunto delicado para ele, que se sente carioca. Por muito tempo acreditou-se que se sentia ofendido quando alguém dizia que era guatemalês, pela cara feia que fazia. Mas depois que descobriram que o certo era guatemalteco, ele não se incomodou mais.

Seus dois filhos não aprenderam espanhol e nem faziam questão. Quase sempre esquecem que o pai é guatemalteco, de tão brasileiro que é. Juan é mais carioca que muito garoto de Ipanema. Mas tem uma única barreira que não o deixa ser brasileiro de fato: o futebol. Até diz que é flamenguista, mas ele mesmo não acredita. É só pros outros não desconfiarem de nada... A verdade mesmo é que Juan é Crema de coração.

Do seu país de nascença, Juan carrega consigo uma única saudade: o seu time querido. E isso é segredo absoluto. No começo até tentou falar sobre o assunto, mas logo vinham as piadas e ele ria junto pra disfarçar, mas com o coração na mão. O motivo de tanta risada é que na Guatemala só existem dois grandes times e a população guatemalteca desde cedo tem que se definir ou como Crema ou como Rojo. A pergunta é simples e ameaçadora: você é Crema ou Rojo? E a resposta tem que ser rápida.

Pois Juan é Crema e sofre escondido com os resultados do seu time. Como anunciar sua paixão secreta justamente no país do futebol, dos grandes jogadores, dos títulos mundiais? É só começar a falar que as piadas aparecem: "O campeonato ’guatemalês’ já começa na final? Ou são 38 jogos Rojos x Cremas!" E todos se divertem às custas do seu amado time.

No entanto, por um momento, Juan achou que essa situação fosse mudar. Contrariando expectativas, a seleção guatemalteca finalmente poderia ir à Copa do Mundo. Isso levantaria a moral do futebol do país! Os jogadores são muito bons, pensando bem... E quem sabe se fizessem uma boa campanha... Talvez até ganhando a taça! A final poderia ser contra o Brasil! Nossa, ele iria a forra... Iria dizer tudo o que ficou guardado durante todos esses anos, como seria bom! Mas os sonhos de Juan não duraram muito. A seleção de Trindade e Tobago conquistou a vaga e a Guatemala ficou de fora mais uma vez.

Depois do choque inicial, Juan continuou seguindo sua vida dupla. Aos olhos de todos, um brasileiro típico, mas lá no seu íntimo, um eterno torcedor dos Cremas. E um dia, ah, um dia ele se revela e todos saberão do talento dos jogadores guatemaltecos. Enquanto isso não acontece, ele continua indo aos jogos do Flamengo.

Nota do Editor: Amanda Lourenço é estudante de jornalismo. Estagia na TVE, em jornalismo internacional.