Tenho atacado, aqui neste espaço, com alguma freqüência, o delirante sofisma esquerdista segundo o qual a criminalidade e a violência são resultado da pobreza e das desigualdades sociais. A disseminação dessa esparrela pretende atingir dois propósitos básicos: servir de desculpa para a inação do Estado, a incompetência dos governos e, principalmente, à disseminação, ainda que subliminar, da idéia obtusa de que somente o igualitarismo, vele dizer, o socialismo, é capaz de deter a violência. A asserção de que desigualdade de renda gera violência é mais uma daquelas mentiras deslavadas que, como ensinou Goebbels, de tantas vezes repetida acabou tornando-se verdade inconteste na cabecinha do homem massa (apud Gasset) brasileiro. É óbvio que tal balela não resiste à mais elementar objeção, caindo por terra sempre que se analisam, racionalmente, tanto as relações de causa e efeito quanto as abundantes estatísticas sobre criminalidade e níveis de renda (ou educação - como quer o presidente) disponíveis mundo afora. No entanto, uma das características marcantes do esquerdismo é a sua persistência. São realmente tinhosos os caras. Para eles, a convicção é sempre mais importante do que a verdade (foi Nietzsche quem disse isso?) e, portanto, se a teoria não se ajusta aos fatos, a solução é fácil: mudem-se os fatos! É inegável a sua disposição para a luta, especialmente dos formadores de opinião. São capazes de negar o óbvio, de dizer as mais formidáveis asneiras e de esquecer as regras mais elementares da lógica em prol da sustentação de uma tese equivocada. Tudo, evidentemente, em nome da causa. Dia desses, discutia numa roda de amigos o tema da criminalidade. Horas tantas, levanta-se um adepto da "festiva" (Ave! Nelson Rodrigues) e vomita, naquele português empolado e professoral de sociólogo uspiano: "meu caro, se você leu ’Freakonomics’ deve saber que as escolhas do ser humano estão relacionadas com incentivos". (Não resta dúvida, pensei comigo, essa premissa é absolutamente verdadeira). "Qualquer um que tivesse que escolher entre ganhar R$ 500,00 por mês trabalhando duro como servente da construção civil ou o mesmo valor, por dia, como gerente de uma boca-de-fumo, certamente escolheria a segunda alternativa. Por isso, a solução para a violência passa, sim, pela redução das desigualdades". A maioria da pequena "massa" presente logo aquiesceu com aquela breve aula, afinal o nosso orador formulara um silogismo para Aristóteles nenhum botar defeito. Era evidente também que o nosso amigo havia lido o best seller do economista Steven Levitt, em parceria com o jornalista Stephen Dubner. (Malgrado a preguiça intelectual que costuma varrer as mentes infectadas pelo esquerdismo tupiniquim, eles também costumam ler. Às vezes, vá lá!). O problema ali era que o espertinho estava desvirtuando solenemente o conteúdo da obra. Para quem ainda não leu, Levitt defende que "a economia é, em essência, o estudo dos incentivos: como as pessoas conseguem o que querem, ou aquilo de que precisam, principalmente quando outras pessoas querem a mesma coisa ou dela precisam". Segundo o economista, "aprendemos a reagir a incentivos, negativos e positivos, desde o início da vida". Assim, "se você engatinhar até o forno quente e encostar a mão nele, vai queimar o dedo, mas se trouxer apenas notas 10 da escola, o prêmio é uma bicicleta nova". Logo no primeiro capítulo do livro, os autores ensinam que existem basicamente três tipos de incentivos: o econômico, o social e o moral e explicam como, através dos tempos, "alguns dos mais convincentes incentivos foram postos em prática para coibir a criminalidade". Na realidade, o que Levitt e Dubner afirmam é justamente o oposto do que nos diz o amigo esquerdista. Segundo eles, as sociedades (civilizadas) desenvolveram uma complexa teia de incentivos negativos de tal forma que tornou-se um mal negócio perpetrar ações criminosas. "Afinal" - prosseguem eles - "cada um de nós descarta regularmente várias oportunidades de lesar, roubar e fraudar. A possibilidade de acabar preso - e com isso perder o emprego, a casa e a liberdade, punições essas de caráter econômico - decerto é um incentivo [negativo] de peso. Mas quando se trata de criminalidade as pessoas também reagem a incentivos morais (não querem cometer um ato que consideram errado) e a incentivos sociais (não querem ser vistas pelos outros como alguém que age errado)". No decorrer do livro, somos informados também de que há fortes razões empíricas para acreditar que existe maior tendência ao delito (trapaça) por parte de pessoas com nível de renda mais elevado. A questão central não é, no entanto, o nível de renda, mas a prevalência ou não dos incentivos negativos que uma sociedade impõe às ações criminosas. No Brasil, graças à mais absoluta incompetência do Estado na área de segurança, a impunidade é de tal ordem, que os indivíduos acabam achando que jamais serão pegos. Isso faz com que os incentivos negativos impostos pela comunidade tornem-se inferiores às vantagens visualizadas pelo agente na hora da escolha entre o certo e o errado. Junte-se a isso a tremenda deterioração dos valores morais que grassa em nosso país, a ponto de uma recente pesquisa de opinião ter diagnosticado uma enorme tolerância da população para com alguns delitos não violentos (fraude, corrupção, sonegação etc.), e teremos o ambiente ideal para a onda de criminalidade que estamos vivenciando. Nota do Editor: João Luiz Mauad é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.
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