Ontem tive duas surpresas agradáveis. A primeira foi-me dada por Cristovam Buarque, que governou o Distrito Federal e atualmente é candidato à Presidência da República pelo PDT. Eu morava em Brasília quando do seu governo e integrei a equipe de Joaquim Roriz quando este ganhou as eleições. Desde essa época formei uma imagem negativa do ex-governador, que fez um mau governo, que aplicou o petismo onde pôde, que perseguiu empresários, que implantou essas idéias ridículas de bolsa isso e bolsa aquilo, que de tantas já até confundo os nomes. Ufana-se de ter inventado a tal da bolsa-escola, como se criar uma coisa populista dessas fosse motivo de orgulho e não de vergonha. Mas o dia foi de grata surpresa, como dizia. Sintonizando a rádio CBN ouvi uma entrevista com Cristovam Buarque na qual ele falava que a reeleição de Lula poria em perigo as instituições democráticas e poderia ser um ponto de partida para o totalitarismo. Que o próprio Congresso Nacional, de caráter oposicionista, poderia ser ameaçado por um presidente populista consagrado pelas urnas. Um apelo direto às massas poderia ser, segundo ele, um atalho irresistível e daí ao totalitarismo seria um passo. Só posso concordar integralmente com o ex-governador. Não senti na sua locução qualquer tom de alarme ou entonação eleitoreira. Percebi uma fala firme de quem captou uma realidade importante, um perigo histórico. Cristovam não tem meu voto, eu que discordo da maioria de suas idéias, mas não posso deixar de registrar o ato de coragem e de patriotismo que foi a sua fala. * À noite fui à loja da FNAC em Pinheiros para o lançamento do livro A IMITAÇÃO DO AMANHECER do grande poeta Bruno Tolentino, em mesa abrilhantada por Reinaldo Azevedo. Não preciso dizer que foram duas horas mágicas, as que lá permaneci. Bruno Tolentino é um desses espíritos sobre o qual Deus pôs o bônus da criação - no seu caso, a poesia - mas deu também a inquietude do descobridor do mundo, que carregou também as dores do mundo. Admiro-o profundamente. Ter ontem trocado algumas palavras em privado com ele pagou-me os meses de mergulho nessa geléia miserável que é a vida política brasileira, essa mediocridade gosmenta e suja. Ele é o que poderíamos chamar de um gênio. A apresentação e a moderação feitas por Reinaldo Azevedo foram brilhantes e levantaram as bolas necessárias para que a verve crítica e elegante de Tolentino pudesse aflorar. E ela, como sempre, emergiu. E ele, como sempre, não perdoou os imperdoáveis, a esquerda esclerosada ora no poder, os falsos poetas e falsos eruditos, a empulhação geral que virou a nossa desditosa República. Bruno não faz mera poesia. Na verdade, é um filósofo que usa do verso para filosofar, para interpretar a História e mostrar o que viu e soube aprender em sua longa e rica vida, pois é um homem que já viveu os limites radicais que a existência pode dar a um ser de intelecto superior. Compreendi ao limite a citação do profeta Joel (2:25) que colocou no soneto "Em Frontispício": "Eu vos compensarei pelos anos que o gafanhoto comeu..." Deus meu! O gafanhoto da minha vida teve tamanho gigante e levou-me muito de mim. Será que poderia almejar o mesmo? Surpreendeu Bruno declarar que votará em Crisovam Buarque. Nota do Editor: José Nivaldo Cordeiro é executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL - Associação Nacional de Livrarias
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