1. No quilômetro 729, numa curva, pouco antes do Povoado das Lacrimosas, você vai ver cinco árvores. 2. São cinco jacarandás. 3. O terceiro é o mais velho e é ali, um pouco à direita, onde há um marco de pedra, que está enterrado o coração de Billy the Kid. 4. Foi por amor. 5. Por um raio de muitas léguas, em qualquer birosca de beira de estrada, você vai ouvir a história. 6. O nome dela seria Orcanda, Orlanda, Ordália, Olinda - tantos nomes de boca em boca para referências a uma só pessoa. 7. Mais correto seria Ordália, filha de Josué e Mercês, Ordalita para os mais íntimos. 8. O amor chegou com fogo baixo, cresceu com algumas labaredas, virou incêndio pela altura de um setembro - há quem fale em outubro. 9. Billy the Kid era motorista de uma Scania entre Uberlândia e Jaboticabal - arroz nas viagens de ida, cerâmica nas viagens de volta. 10. Ordalita sempre punha os seus vermelhos (batom, vestido e unhas) quando presumia as buzinas no alto da curva, o ronco daquele motor feito potro, com medalinha de São Judas Tadeu na boléia. 11. Foi então no tal dia (era setembro ou outubro), no coaxar da tarde, que a carreta serenou no acostamento, justo no 729, perto do terceiro jacarandá. 12. Contam que Ordalita só tinha risos, risos e rumorejos. 13. Contam que eram dois passarinhos, fervores de bicos e lábios, debaixo do jacarandá. 14. Contam que Billy the Kid, em certa hora, trouxe Ordalita ao colo, ele próprio fez-se rede, ele próprio fez-se ninho. 15. E contam das horas passadas, noite adentro, os dois. 16. E por fim contam do velho Josué, das trevas saído, com o punhal. 17. E contam. 18. E recontam. 19. O coração na madrugada, elevado aos céus, sob estrelas cadentes. 20. Contam palavras sinistras. 21. De um tal Billy the Kid. 22. Motorista. 23. Etc. Nota do Editor: Paulinho Assunção é poeta, ficcionista e jornalista com mais de uma dezena de livros publicados. Foi membro da Comissão de Redação do Suplemento Literário do Minas Gerais e repórter na sucursal mineira da Agência Estado. Ganhou o Prêmio Cidade de Belo Horizonte de 1983 (Poesia) e o Prêmio Minas de Cultura (Guimarães Rosa), categoria contos, em 1998. Edita, entre outros, os blogues Paulinho Assunção: Works (http://paulinhoassuncao.blogspot.com) e Quixote e Kafka em Belo Horizonte (http://quixoteembelohorizonte.blogspot.com).
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